Jovem que queria ser padre deixa a vida religiosa para viver romance iniciado no seminário
Cristian Garcia, que há 6 anos mora em Uberlândia, nasceu em Alfenas, mas a infância foi no Barranco Alto, distrito que fica a 40 km da cidade e é conhecido como “uma ilha no meio do grande lago”. Isso porque a comunidade de 1.157 habitantes, é cercada pelo Lago de Furnas.
Mesmo insistindo que tem uma vida comum de quem trabalha e vai para as aulas de psicologia, ou sai com os amigos em um dia qualquer, Cristian definitivamente guarda no passado uma história que poderia estar em algum best seller. Hoje, ele conta a própria história para quem quiser ouvir, sempre com uma pitada de humor e um grande sorriso no rosto.
A infância e juventude
Mesmo no universo a parte causado pelo isolamento do lago, aos 11 anos Cristian já sabia que era homossexual. Hoje, aos 27, ele relembra quando contou para a mãe as certezas que tinha de si.
Para quem pensa que simplicidade é sinônimo de ignorância, se engana ao pensar que a mãe ficaria furiosa com a situação. Pelo contrário, a família de Cristian sempre o acolheu e o amou.
“A primeira pessoa que ficou sabendo da minha sexualidade foi o padre, bem no dia em que eu fui me confessar para fazer a primeira comunhão. Alguns dias depois reuni a minha família e contei que era bissexual, mesmo sabendo que gostava muito mais de meninos”.
Aos 16 anos, porém, a realidade da península cercada pelo lago ficou pequena. Ali, o futuro reservava para ele o mesmo que reservou para quem permaneceu em Barranco Alto: pescaria, agricultura e qualquer coisa ligada à natureza do distrito.
Foi assim que decidiu ir embora e morar com uma tia em Campinas (SP), onde o tio, muito religioso, começou a lhe contar sobre Jesus e o cristianismo.
“Nunca me esqueço desse dia. Acho até que foi uma experiência mística. Comecei a sentir um amor tão único dentro de mim. Eu sempre fui muito feliz e realizado, mas nada se comparava a esse amor extraordinário” .
Naquela noite Cristian não dormiu. Ele caminhou, se ajoelhou, tentou voltar a dormir e não conseguiu.
“Comecei a olhar para tudo e nada tinha mais graça, eu queria me entregar completamente a Deus. Até que um dia cheguei para o meu namorado da época e disse que não queria mais o nosso relacionamento, a partir dali decidi que iria me dedicar somente a Deus” .
A vida religiosa
De Barranco Alto para Campinas e depois para Aracaju, Pernambuco, Recife, Curitiba e Lucélia (SP), quatro anos se passaram desde que Cristian decidiu iniciar a formação para se tornar padre.
A rotina de quem queria dedicar a vida para Cristo se baseava em acordar, ir para a Santa Missa, organizar grupos de oração e a comunidade em prol da igreja. E em meio aos ensinamentos religiosos, o mundo exterior o qual ele havia abandonado há alguns anos não fazia falta.
“Mesmo na igreja nunca fingi ser algo que não era, todos sabiam que eu era homossexual. A única coisa que os formadores me diziam era que isso não importava, desde que eu vivesse o celibato”, conta.
Se João 4:8 diz que "aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é caridade", Cristian descobriu o amor na religião. Durante um retiro da igreja, um rapaz chamou a atenção.
Naquele momento, algo o hipnotizou. No entanto, ao mesmo tempo, a culpa e o autojulgamento de relembrar sensações que ele tentou esconder também apareceram.
“Eu nem lembrava como era me sentir assim por alguém. Na mesma hora ele me olhou. Eu sabia que era recíproco” .
Mesmo sabendo de todas as sensações, o rapaz que há 6 anos se preparava para ser padre tentou ignorar, abaixou a cabeça.
Porém, a conexão instantânea e as conversas intermináveis, que se seguiam dia após dia, só poderiam terminar com um resultado.
Ao longo de dez dias, Cristian acordou com cartas deixadas embaixo da porta dele. Não era de nenhum admirador secreto, mas de um amor proibido e que até então ia contra ao que ele se propunha.
"Ficamos assim e no fim das contas a gente se sentou para conversar e dizer tudo aquilo que estávamos sentidos. Ele confirmou que era recíproco, mas nem precisava, sabe quando a gente sabe que é amor?”
Quando o retiro terminou, o contato entre os dois continuou em encontros semanais e por e-mails, nos momentos em que o acesso à internet era permitido.
"A gente nunca mais parou de se falar e no fim das contas eu entendi o que deveria ser feito".
Adeus ao seminário
“Quando eu percebi que somente a religião não me fazia completo e sim aquele sentimento que me completava, resolvi deixar o seminário. Dias depois ele também saiu, praticamente deixamos a ideia de ser padre juntos” .
Além da vontade de viver o "grande amor proibido", Cristian também queria ajudar financeiramente os pais em Barranco Alto, o que não seria possível com o voto de pobreza. E foi assim que ele parou em Uberlândia para estudar psicologia e viver com o homem por quem se apaixonou.
No entanto, o "conto de fadas" acabou de um jeito diferente. Hoje, os dois apaixonados que largaram o seminário juntos não escrevem mais a mesma história.
Atualmente, Cristian divide o dia a dia com outra pessoa, mas em algum lugar do Triângulo, a história que começou no seminário permanece.
“A minha vida religiosa, a minha vida com Deus, foi a melhor coisa que me aconteceu. Foi ali dentro que eu aprendi a ter responsabilidades, amor ao próximo, é algo extraordinário. Eu acredito em um Deus de amor, de misericórdia, que nos acolhe e ama como somos. Assim como Jesus disse à Maria Madalena, se eles não te condenam, eu também não te condeno”.