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O Direito Penal deve ser absolutamente firme, mas aplicado “com um grão de sal”

Por Cledson José da Silva 16/03/2023 12h12 - Atualizado em 17/03/2023 08h08
Por Cledson José da Silva 16/03/2023 12h12 Atualizado em 17/03/2023 08h08
O Direito Penal deve ser absolutamente firme, mas aplicado “com um grão de sal”
close da textura de sal - Foto: <a href="https://br.freepik.com/fotos-gratis/close-da-textura-de-sal_19101257.htm#query=gr%C3%A3o%20de%20sal&position=15&from_view=search&track=ais">Imagem de rawpixel.com</a> no Freepik

Há uma expressão latina comumente utilizada no Direito para momentos em que se requer parcimônia, quando se exige um pouco mais de cautela. Trata-se da expressão “cum grano salis”, que significa literalmente "com um grão de sal".

Diz-se que essa expressão remonta ao General Pompeu, que possuía um remédio contra o veneno de determinada cobra e recomendava que ao usar o antídoto se tomasse o cuidado maior de adicionar um grão de sal ("addito grano salis", depois transformado em "cum grano salis").

E o que isso tem a ver com a nossa reflexão jurídica de hoje?

Tudo.

É que três jovens de Bauru/SP ridicularizaram uma colega de sala e, por isso, alguns entendem que elas teriam incidido em crimes contra a honra.

A publicação foi feita na sexta-feira, 10 de abril, por meio do Twitter. No vídeo, as três universitárias conversam em tom de escárnio: “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. A outra responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira. Não sendo bastante, uma das jovens ainda declara que “Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade. Eu tenho essa opinião”. Caçoam dizendo que a mulher “não sabe o que é Google”.

O fato é triste, mas a oportunidade é boa para discutirmos temas fundamentais da convivência social e pode ser visto por duas perspectivas: (1) criminal, perscrutando se houve crime; e (2) moral, analisando-se os reflexos morais da conduta das jovens.

O Direito Penal deve ser absolutamente firme, mas aplicado, como diriam os latinos, “cum grano salis”.

Fazendo-se uma breve análise criminal da situação, muito se tem falado sobre a possibilidade de enquadramento típico das condutas das jovens. Questionam se elas podem ter cometido algum crime.

Entendo que não.

Alguns alegam que, em tese, as garotas poderiam ter cometido crimes contra a honra. Contudo, não visualizo o adequado enquadramento formal que o Direito Penal requer.

Primeiro, preciso dizer, acredito firmemente que o Direito Penal deve ser instrumento sério e efetivo de combate às condutas mais danosas à coletividade. Esse ramo do Direito deve ser realmente um braço pesado do Estado pronto para corrigir posturas desviantes, severo o suficiente para inibir tais condutas.

Entretanto, justamente por pensar que o Direito Penal deve resultar sanções severas, devemos nos utilizar dele “cum grano salis”, expressão já explicada acima. Assim, esse ramo jurídico de sanções mais graves não deve ser utilizado a esmo e aleatoriamente, mas racional e proporcionalmente.

Por esse prisma restritivo do Direito Penal, passemos a analisar o fato.

Em tese, alguns imputam o cometimento ao menos de dois crimes:

(1) Difamação. Conduta prevista no art. 139 do Código Penal – CP (“Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”); e

(2) Injúria. Conduta do art. 140 do CP, consistente em “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”; e

Entendo que esses crimes não ficaram configurados na situação em apreço simplesmente porque ausente o dolo específico (vontade específica de ofender a honra alheia).

Não tinham a intenção de ofender a honra alheia (?), você deve estar se perguntando.

Explico. Quando intenção é meramente de brincar com uma pessoa, tem-se aquilo que a doutrina chama “animus jocandi” (afim de zoar) e esse tipo de finalidade não é punida pelo Direito.

Afinal, já pensou se você respondesse a um processo criminal toda vez que tirasse uma brincadeira com um amigo ou colegas de classe? Tenho certeza que muitos de nós, cotidianamente, seja na escola, faculdade ou trabalho, falamos e de nós são faladas muitas coisas em tom jocoso. Isso pode ser moralmente repreensível. Mas não é crime.

Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consolidado na Jurisprudência em Teses Edição 130, com o seguinte teor: “Para a configuração dos crimes contra a honra, exige-se a demonstração mínima do intento positivo e deliberado de ofender a honra alheia (dolo específico), o denominado ‘animus caluniandi, diffamandi vel injuriandi”.

Enfim, não consigo visualizar o Direito Penal sendo utilizado para punir piadas ou brincadeiras, ainda que sejam de mau gosto.

Por isso, no meu humilde entender, não houve crime algum na conduta das jovens.

Agora, isso significa que essa postura não mereça repreensão?

De forma alguma. A postura ignóbil delas avilta a nossa percepção moral dos fatos, e com toda razão pode ter diversos reflexos no campo moral ou cível (ex.: ação de indenização).

No âmbito moral, é inegável a repulsa que a postura merece.

A postura graceja com o esforço alheio dói em qualquer um de nós que lutamos diariamente para atingir nossos objetivos. Aquela mulher chama-se Patrícia Linares e, aos 44 anos está em busca dos seus sonhos representa cada um de nós que diuturnamente não cansamos de insistir, de persistir, e contra tudo e todos, não nos permitimos desistir.

É uma pena que a provável imaturidade daquelas jovens tenha impedido que elas vissem a oportunidade que tinham de, com aquela “mulher de 40 anos”, iniciando uma nova faculdade, com todos os desafios familiares e pessoais, aprenderem sobre a vida e o valor do esforço.

Mas a verdade é que essas moças não são as únicas que pensam assim.

Elas apenas materializaram uma visão deturpada de uma juventude tão pueril quanto superficial, focada em pequenas frações de textos e vídeos vazios, com o intuito de lacrar no momento e preencherem alguma lacuna interna – que talvez nunca seja preenchida.

Portanto, temos um grave problema de ordem moral, isso sim. A juventude não saber reconhecer o valor fundamental dos mais velhos na sociedade. Não saber acolher a experiência que só vem com o tempo, este impetuoso definidor de vidas.

Outrora, os mais velhos, geralmente tidos como mais sábios, eram tratados com absoluto respeito e deferência.

Hoje, para alguns – como essas jovens – experiência acumulada com esforço e dedicação já não vale nada, preferem um like fugaz e o aplauso no palco egoísta da vida.

Para a tolice da imaturidade, nada melhor que o remédio do tempo.

E o amadurecimento, este sim, que venha em abundância, não precisa ser com um grão de sal.


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