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Kerouac - biografia por Yves Buin

Por Luciano Felizardo 27/02/2023 21h09 - Atualizado em 23/03/2023 09h09
Por Luciano Felizardo 27/02/2023 21h09 Atualizado em 23/03/2023 09h09
Kerouac - biografia por Yves Buin
Jack Kerouac - Foto: Imagem do Pinterest

Depois de anos dizendo por aí que Jack Kerouac era meu escritor preferido, finalmente tive coragem de ler sua biografia.

E sim, aquela máxima está valendo: nunca conheça seus heróis kkkkk

Não. Tô brincando. Ainda é meu escritor preferido, sim. Mas é verdade também que sua vida teve pontos absurdamente problemáticos.

Apesar de tudo, foi uma leitura interessante. A fluidez narrativa é muito boa, e como um todo, é uma obra bem escrita. Até as "decepções" com o homem por trás da lenda são interessantes e importantes de se ver. É sempre necessário que desmistifiquemos nossos mitos. Se fizermos isso e a obra continuar valiosa, melhor ainda.

E a obra do Jack é irretocável, né? O que ele criou foi incrível. Quando vemos as condições a partir das quais ele criou, fica ainda mais impressionante. A obra teve tanta força que gerou uma disrupção cultural no país - e como o país em questão é os E.U.A., a disrupção acabou se espalhando por outros lugares. Os livros do cara foram o marco inicial da contracultura. Isso é impressionante, independente do que ele tenha feito de certo ou de errado.

"Mas é possível mesmo separar o artista da obra?"

Pois é. Eu tive - de novo - uma conversa sobre isso recentemente, e minha conclusão sempre é: depende.

Se a obra tem um teor problemático, é bem difícil. Lovecraft, por exemplo. Tem textos bem escritos, mas com teor racista, e o racismo é indissociável da obra. O que não quer dizer que você não deva lê-lo em hipótese alguma, principalmente se você quer aprender a escrever ou aprender sobre o gênero no qual ele trabalhava, já que boa parte do terror atual se inspira no que ele criou.

Isso se aplica bem a escritores mortos. Mas e autores vivos?

Aí já é outra situação. Acho que o exemplo mais famoso é a J. K. Rowling.

Uma pessoa assumidamente transfóbica que criou uma obra que conscientiza os leitores quanto à importância de se combater a discriminação.

"E nesse caso, Luciano?"

Bem... na minha opinião - e que fique claro que esse artigo TODO é baseado na minha opinião - eu ainda acho que a obra é sim válida, e se você puder ter acesso a ela sem financiar a autora, ótimo.

O caso do Kerouac é, no mínimo, peculiar. O cara morreu com opiniões reacionárias, dando declarações anti-semitas, chegando até a simular um ataque da Klan. Mesmo assim, seus livros não têm nenhum traço disso. Diria até que é o contrário. Chego a perceber momentos de forte antirracismo em sua obra, anti-homofobia e etc.

E dito isso, qual a conclusão que eu chego? A mesma: depende.

Eu ainda consigo ler sua criação sem me incomodar, mas entendo quem se incomoda. Acho importante também refletir sobre as condições culturais que produziram essas pessoas - não que isso os justifique, os perdoe ou lhes dê licença.

Na biografia do Kerouac ainda achei importante a reflexão sobre as causas e consequências do adoecimento psíquico. O quanto uma pessoa pode ser incrível tendo os meios para isso, como ele, que em dado momento chegou no ápice da genialidade, e por outro lado, o quão fundo alguém pode descer em seu próprio espírito quando não tem meios para lidar com sua própria bagunça interna.

Outro tópico de sua vida que salta aos olhos é a dependência química, que me fez questionar também por que é que nós - enquanto uma sociedade que reclama uma altivez moral tão elevada - não estamos debatendo de forma séria e madura sobre nossa relação com algumas drogas, o álcool principalmente, que é uma droga MUITO mais prejudicial que muitas que são tabu.
{E mais uma vez deixando claro: isso não é um texto proibicionista nem um texto "legalizem já". Eu só faço perguntas - e queria saber também até quando se vai ter que justificar esse tipo de questionamento.}

E por fim, foi reconfortante ver que não existe gênio sem trabalho kkkkkkk


É comum que, quando se fala no Jack, lembremos logo de sua loucura, de sua prosa espontânea, seu texto tão fluido que parece que nem teve autor, nem precisou ser feito, mas por trás disso tudo havia um trabalhador obcecado. Sempre que pôde, Jack esteve escrevendo incansavelmente, lendo sem parar e discutindo literatura. A obra que ele deixou pra nós foi fruto de árduo labor.

É sempre difícil desmistificar nossos mitos - terminei a leitura lembrando do que o Gingsberg, amigo pessoal do Jack, escreveu nO Uivo, "Eu vi as mentes mais brilhantes da minha geração destruídas pela
loucura" - mas eu termino esse artigo recomendando que desmistifiquem os seus também. No fim das contas, sempre vale a pena.

Luciano Felizardo

Luciano é escritor e sua cabeça gira em torno disso. Nesse espaço, vai falar sobre obras de arte (filmes, livros, músicas, etc) e as reflexões que teve a partir delas. Além de, vez e outra, tentar simplificar e trazer para o nosso cotidiano alguns conceitos de filosofia, política e psicologia - área na qual vem se graduando pela Ufal.
Suas obras podem ser adquiridas no site da Editora Ipê Amarelo ou entrando em contato com ele através do Instagram (@vezeoutrapoesia).

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