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Druk - entre a angústia e o tédio

Por Luciano Felizardo 16/02/2023 19h07 - Atualizado em 23/03/2023 10h10
Por Luciano Felizardo 16/02/2023 19h07 Atualizado em 23/03/2023 10h10
Druk - entre a angústia e o tédio
Pôster de Druk, filme de Thomas Vinterberg - Foto: Imagem do Pinterest

Na sexta-feira passada, dia 10, eu estive no cineclube organizado pelo Clube do Livro 42, e assisti pela primeira vez "Druk - mais uma rodada", longa do dinamarquês Thomas Vinterberg.

No filme, um grupo de amigos se ampara num artigo que diria que os humanos têm um déficit de 0,05% de álcool no sangue e que suprindo-o, suas vidas seriam "mais felizes". A partir disso, o grupo tenta nutrir a suposta falta e relatar a tentativa num molde de experimento.

Não quero tanto falar sobre o filme, seus aspectos técnicos ou narrativos. Quanto a isso me contento em dizer que amei. Simplesmente amei. Foi uma experiência que me transpassou. Ao fim do filme eu estava de queixo caído e demorei alguns instantes pra sair desse estado arrebatado. O que eu queria mesmo era escrever sobre as coisas que o filme me fez pensar.

A principal foi sobre como, numa sociedade baseada no consumo, o ser humano está fadado ao fracasso. 

Martin, o personagem principal (interpretado por Mads Mikkelsen), vive na Dinamarca, tem um emprego estável, uma vida bem regulada, casa, carro, um casamento que aparenta estabilidade, tem filhos, teve grandes oportunidades de sucesso acadêmico durante sua vida, mas nada parece satisfazê-lo. Ele seguiu à risca a cartilha de como viver neste mundo, mas tudo parece lhe faltar. Por consequência, ele acaba se encantando com mundo quase onírico que o álcool lhe proporciona.

Vendo isso inicialmente como um problema individual, somos levados com o passar da narrativa a percebê-lo como uma questão social. Diversas falas estabelecem isso - "todo mundo está bêbado nesse país", "tem muitos garotos que estão mal", "todos vocês bebem o tempo todo". É interessante notar que esse fenômeno se dá num país como a Dinamarca - e possivelmente em outros daquela região - que é um lugar de grande prosperidade econômica.

A situação me remeteu à filosofia de Schopenhauer. Acho que já falei sobre isso aqui nessa coluna, mas vale dar uma explicação rápida: Schopinho dizia que o que nos move no mundo é o desejo, e por causa disso, acabamos vivendo sempre entre a angústia e o tédio. Vamos de um objetivo a outro, a maioria deles superficial. Queremos um carro, depois queremos um carro melhor, depois queremos uma casa maior, depois queremos outra tv, depois arrumaremos outra coisa para querer e assim seguiremos sempre querendo algo. Vamos de um alvo de aquisição, de um objeto de desejo ao outro, e nessa ida estamos sempre angustiados pela vontade de alcançar, mas quando alcançamos, aquilo não supre nossa necessidade, então sentimos tédio.

Isso parece evidente no filme, que nos mostra o jovem Sebastian, profundamente angustiado com a possibilidade de não alcançar o que "precisa" alcançar na vida, e em contraste, Martin, que já tem o que Sebastian muito provavelmente sonha em ter, mas nada disso parece lhe importar agora.

Toda essa vida em sociedade fundada na busca por uma satisfação pessoal que tem como base bens materiais acaba por gerar uma massa de pessoas frustradas, que sem terem sido ensinadas a pensas nos próprios sentimentos em relação a tudo, nas suas vontades mais profundas e genuínas, se sentem sem nada, agora que já seguiram todas as instruções do manual social que receberam.

Até onde eu sei, as queixas referentes a saúde mental são maiores entre os jovens nórdicos que entre os adultos. Na Finlândia, por exemplo, em 2018, 35% das mortes de jovens foram causadas por suicídio - isso de acordo com uma matéria da BBC. De acordo com a lógica desenvolvida acima, essa parcela da população se encontraria majoritariamente na fase da angústia. O que não descarta a realidade da fase do tédio, e se correlacionarmos ela com o consumo de álcool, como o filme faz, vamos ver números também de arregalar os olhos. De acordo com a OMS, a Dinamarca, em 2015, era o vigésimo país que mais consumia álcool - mensurado por litros - no mundo. Se você compara isso com o tamanho do país e da população, não é pouca coisa.

E que fique bem claro: o que estou fazendo aqui não é um culto à pobreza nem à desigualdade. O desamparo social é sim um enorme agravante para problemas de saúde mental. O que estou apontando aqui, que parece ser também a direção para onde o filme aponta, é que suprir as necessidades financeiras não é psicologica nem emocionalmente suficiente para a realização emocional plena de alguém.

Outra coisa que o filme parece querer dizer é que nós definitivamente não sabemos lidar com o envelhecimento.

A associação que o longa faz da embriaguez com a juventude é clara, tanto através de falas quanto através do visual - a cena final é a prova viva disso. Parece que a todo tempo os protagonistas estão buscando uma versão de si que era mais alegre, mais espontânea, mais forte, mais vívida, uma versão passada que era melhor e que podia se entregar melhor ao mundo a sua volta.

Mas tudo isso são as minhas impressões, claro. Talvez as suas sejam outras. Essa é uma das melhores coisas do cinema e da arte como um todo. Vai ver o filme e me conta o que achou!

Luciano Felizardo

Luciano é escritor e sua cabeça gira em torno disso. Nesse espaço, vai falar sobre obras de arte (filmes, livros, músicas, etc) e as reflexões que teve a partir delas. Além de, vez e outra, tentar simplificar e trazer para o nosso cotidiano alguns conceitos de filosofia, política e psicologia - área na qual vem se graduando pela Ufal.
Suas obras podem ser adquiridas no site da Editora Ipê Amarelo ou entrando em contato com ele através do Instagram (@vezeoutrapoesia).

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