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Nada de Novo no Front e nada de novo na tela
Nada de Novo no Front foi um dos filmes lançados esse ano que eu mais gostei. Talvez tenha sido de fato meu preferido - junto com o Homem do Norte.
E realmente não tem quase nada de novo aqui. Quase tudo feito nesse filme eu já assisti antes. O que, no fim das contas, não implica em nada. Tudo isso é extremamente bem executado.
Mesmo coisas que já vi feitas com perfeição, como a direção de arte de 1917 - que reproduziu as trincheiras e coordenou os movimentos nelas de um jeito magnífico -, aqui foi reutilizado à altura.
É um filme primorosamente bem feito, o que me gerou um contraste entre percepção e sensação, já que a situação narrativa, a história em si, é desconfortável do início ao fim. Passei o filme todo entre me embasbacar - com os enquadramentos, as atuações, os efeitos e tudo o mais - e pensar "que situação horrível". Foi um misto de encanto com sofrimento.
A obra mostra um jovem rapaz alemão, Paul Baümer - papel de estreia de Felix Kammerer, que interpreta brilhamente - se aliastando no exército de seu país e indo lutar na primeira guerra mundial.
A começar daí, me pareceu interessantíssimo o que o filme propôs. Nos levou a acompanhar a jornada de um protagonista que, historicamente, aprendemos - com razão - a odiar, mas que com as circunstâncias mostradas, nos gera empatia e comoção.
Paul é de classe média, é branco, estudante, e a contragosto dos pais, se dispõe alegremente a servir seu país com seus amigos. Um deles, inclusive, falsifica a assinatura do responsável, permitindo o alistamento de Paul. Nós conhecemos garotos empolgados e iludidos com a idealização do confronto e a suposta aventura que as heróicas conquistas militares lhes proporcionariam.
É triste acompanhar como um rapaz inocente e até certo ponto ingênuo é facilmente convencido por máximas vazias a se lançar numa situação terrível como é a guerra.
E como o filme acerta em mostrá-la, viu?
O diretor nos faz ver a desgraça que ela é, a destruição que ela causa, indo de coisas grandiosas à vista, como um bombardeio, até coisas pequenas, como a degradação física e mental dos personagens.
E aqui é tudo feito com tanta maestria, que os detalhes contam histórias próprias. Os dentes dos soldados, por exemplo, vão ficando estragados ao longo da obra, já que eles não tinham acesso nem à higiene básica - diferente do que algumas obras pró-guerra nos fizeram crer, com seus protagonistas sempre de sorriso branquinho e cabelos sedosos bem penteados.
Aqui nós vemos a guerra como o apogeu do fracasso humano, fracasso político, ideológico e diplomático, do nosso fracasso enquanto espécie.
Aqui nós vemos o mal que as grandes autoridades, os do alto escalão, bem vestidos e bem cuidados, usufruindo de tudo do bom e do melhor, impõem ao seu próprio povo, que é por quem eles dizem "lutar", ao seus próprios jovens, que eram mandados sem dó para o massacre.
Massacre esse, deixando bem claro, em nome de "valores" completamente abstratos, que no fim das contas, não serviam para minimizar na prática a dor daqueles soldados, dos soldados que eles matavam, e dos entes queridos de todos os envolvidos.
Os homens do alto comando gritam palavras vazias como "honra", enquanto seus comandados se afogam na lama e no sangue e se deterioram em todos os aspectos. Tudo feito em nome de "deus" e da "pátria". [Não é invenção minha nem dos esquerdistas. Podem procurar documentos da Alemanha da primeira metade do século passado. Atrocidade atrás de atrocidade cometidas enquanto se proclamava tais frases destituídas do sentido. E que fique claro: não estou colocando esses significantes e seus significados como problemas em si, o problema está em usá-los para manipular o povo.]
Junto com Paul, nós entramos de supetão naquele mundo de horror, e vemos o personagem ir perdendo aos poucos suas próprias noções de humanidade e até de si mesmo. É com melancolia que o filme nos faz ver a tristeza que o garoto sentia nas primeiras mortes que presenciou e que promoveu, e como ele vai se bestializando no decorrer daquilo tudo.
Uma coisa importante de se notar é que o protagonista não tem razões específicas para sobreviver a tudo que sobrevive. O filme nos faz ver isso. Qualquer um podia morrer a qualquer momento, independente do quão esperto, forte ou habilidoso fosse. Naquele contexto, tudo era impessoal, e não havia mais pessoas, só soldados matando e morrendo por decisões dos poderosos.
Tecnicamente, é um filme lindo. O que essa técnica impecável nos faz ver, porém, é horrível.
É triste, mas que bom que temos obras assim [aliás, esse filme de Edward Berger é a terceira adaptação pro audiovisual de um livro de mesmo nome, escrito por Erich M. Remarque]. É papel da arte também não nos deixar esquecer das consequências da obediência cega e acrítica, do que de fato é uma guerra e de que nenhum dos combatentes sai vencedor de uma.
Luciano Felizardo
Luciano é escritor e sua cabeça gira em torno disso. Nesse espaço, vai falar sobre obras de arte (filmes, livros, músicas, etc) e as reflexões que teve a partir delas. Além de, vez e outra, tentar simplificar e trazer para o nosso cotidiano alguns conceitos de filosofia, política e psicologia - área na qual vem se graduando pela Ufal.
Suas obras podem ser adquiridas no site da Editora Ipê Amarelo ou entrando em contato com ele através do Instagram (@vezeoutrapoesia).