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O Que Ficou Para Trás e o verdadeiro horror
Halloween foi semana passada, e só depois da data foi que eu percebi a deixa que ela me dava para indicar obras de terror. Levando isso em conta, eu espero que seja verdadeira aquela máxima de "antes tarde do que nunca", então mesmo tarde, ainda quero indicar esse filme. Dito isso, vamos ao texto:
Lançado em 2020, O Que Ficou Para Trás é o primeiro longa que Remi Weekes dirigiu. E que estreia, viu?
Não sei se a opinião é só minha - e eu acho que não -, mas nós vínhamos passando por uma entressafra de filmes de terror. Pelo menos entre os que circulam na grande mídia, os de grande escopo e os que furam suas bolhas.
E ok que "furar a bolha" não é o caso deste. Admito que nem ouvi a galera comentando a respeito do lançamento pra cá. Mas é aqui que eu queria chegar: já tem alguns anos que a gente vem sendo presenteado com boas obras desse gênero. Nem preciso ir muito fundo no argumento, vejam os novos mestres, Ari Aster, Jordan Peele e Robert Eggers. O primor de seus trabalhos falarão por mim.
Esses furaram a bolha de fato, e se apropriando de elementos clássicos do terror, puderam propor coisas novas pra o telespectador. Puderam ir além do jumpscare e do Diabolus Ex Machina puro, além da exploração simples e oca da estética da violência, e criar peças realmente instigantes.
E agora sim: se é deste tipo de obra que estamos falando, O Que Ficou Para Trás se encaixa muito bem na categoria.
Aqui nós temos uma situação das mais clássicas nesse gênero, uma mais batidas, que é a família mudando pra uma casa onde mora um fantasma. Mas usando o que já conhecemos o filme nos ambienta, e então, nos leva a refletir sobre problemas do mundo real que são tão horripilantes quanto essas assombrações. A obra expõe o trauma de uma guerra civil, da sensação de desamparo que a falta de pertencimento gera, expõe o horror da xenofobia, do racismo, da dificuldade de viver como refugiado, da dor da culpa, do terror que é tocar a vida em frente quando o passado é tão sombrio quanto um pesadelo, do horror que é precisar se perdoar - principalmente nessa história, em que o mundo externo é tão assustador quanto o interno.
E se posso dar uma humilde recomendação: fuja de vídeos como "explicando o final". Isso realmente não importa. Se existia um feiticeiro ou não, se aquilo era "verdade" ou não, se a magia funcionava de jeito aquele ou esse. Nada disso tem importância. A vivência do trauma daqueles personagens é de verdade. A dor, o terror da situação como um todo, é tudo real.
Esse é um equívoco dos mais comuns aqui no ocidente, onde tratamos as coisas como duais e dissociáveis, como se pudéssemos separar "corpo" e "mente", "carne" e "alma", ou qualquer dicotomização genérica assim. E pensamentos derivados disso fazem a gente, por vezes, dizer absurdos do tipo "isso é só psicológico", como se uma ferida emocional doesse menos que uma fratura ou algo que o valha.
Não importa se era metáfora ou magia. Se era um bruxo ou "só" a culpa. O sofrimento daquela família é palpável, e nos leva a pensar sobre esses casos, nos quais o horror é até pior do que nos filmes.
Luciano Felizardo
Luciano é escritor e sua cabeça gira em torno disso. Nesse espaço, vai falar sobre obras de arte (filmes, livros, músicas, etc) e as reflexões que teve a partir delas. Além de, vez e outra, tentar simplificar e trazer para o nosso cotidiano alguns conceitos de filosofia, política e psicologia - área na qual vem se graduando pela Ufal.
Suas obras podem ser adquiridas no site da Editora Ipê Amarelo ou entrando em contato com ele através do Instagram (@vezeoutrapoesia).