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Quando a natureza se vinga?
A chuva sempre teve um significado muito profundo para quem nasce em regiões nas quais dela depende basicamente o início do ciclo de semeadura. A expectativa da chegada das águas começava cedo. Na roça,os mais velhos, católicos, ficavam ansiosos para ver se choveria ou não no dia 19 de março, Dia de São José. Se chovesse, era um bom presságio. Haveria chuva suficiente para fazer crescer a plantação. Sinceramente, não recordo se choveu ou não nesse dia este ano.
Nas últimas semanas, a chuva veio e veio muito. O que deveria ser motivo de alegria, tornou-se um pesadelo. A cada dia, novas tragédias são anunciadas. Se São José puder bater um papinho com São Pedro para reduzir tanta chuva, com todo respeito porque não se pode brincar com a fé, a gente agradece.
Tudo tem acontecido de forma tão forte e em tantos pontos que está até difícil acompanhar. A força, a intensidade das chuvas fizeram rios retomarem o que era deles por direito: o caminho. Cheias de décadas atrás voltaram a se repetir. Com o crescimento populacional nas zonas urbanas, apesar de ações preventivas em alguns municípios, o pior tem acontecido. (Lembram que a população sai do campo para tentar achar melhores oportunidades e acaba sendo obrigada a se instalar em áreas de risco porque não há outra opção?).
Em todo o nosso Estado de Alagoas, novos alertas das autoridades e mais estragos. Parece que estamos diante de um grande apocalipse com o chão se abrindo, literalmente, sob os nossos pés, e as águas implacáveis carregando tudo que está no caminho.
Ainda que relutante, tenho visto redes sociais, sites de notícias e ficado atenta ao que as autoridades da meteorologia têm divulgado. As notícias ainda não são as melhores. Acredito que, em maior ou menor medida, estamos todos fazendo o mesmo. Estarrecidos diante da força da natureza que, claramente, manda um recado sobre respeitar os limites.
Em Pernambuco, a situação é ainda pior do que a nossa (basta ver o número de mortes causadas pelas chuvas). Também chama a atenção o movimento muito forte e explícito de cobrança que é feita pela população e por pessoas com visibilidade. Vocês têm visto o trabalho corajoso do perfil @recifeordinario? A galera capitaneou duas lives com artistas, celebridades, influenciadores digitais e conseguiram arrecadar R$110 mil em doações para as vítimas da chuva. Inclusive, no perfil, eles fizeram vários posts explicando que a culpa não é exatamente da chuva…
O fato é que é preciso ter consciência para que mudanças efetivas ocorram. Em Alagoas, temos milhares de desabrigados. Não é fácil reconstruir a vida, mesmo tendo apoio dos governos, após algo tão traumatizante. Por que temos que aceitar calados, sem questionamentos efetivos, que pessoas, justamente as mais pobres, passem por tanto sofrimento? Do Litoral ao Sertão, da Zona da Mata ao Agreste, está um caos. As ações que foram realizadas para minimizar tantos problemas, infelizmente, claramente ainda são insuficientes.
Com tanta gente capacitada para pensar a vida urbana, a relação com o meio ambiente, nada mais racional do que as cidades se unirem para construir um planejamento conjunto para 10, 20, 50 anos que estão por vir. Melhorias reais podem demorar décadas, mas se elas nunca começam, nunca acontecerão.
São José e São Pedro sabem das coisas, a chuva é dádiva fundamental para o ciclo da vida. Talvez este seja mais um grande lembrete do quando estamos sendo cruéis com a terra que nos abriga e com a nossa própria espécie.
Para lembrar:
“A Natureza não perdoa e tampouco se protege, simplesmente se vinga”.
Clau Soares
Arapiraquense; jornalista, graduada pela Universidade Federal de Alagoas. Pós-graduada em Comunicação Empresarial (Cesmac).É bacharel em Direito pela Uneal. Servidora efetiva da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), no cargo de jornalista, desde 2010. Hoje, mantém um instablog diário, o @clausoares.s, no qual destaca cenas, iniciativas e personalidades de Arapiraca.
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