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Constituição, poder do povo e formas de expressões da liberdade
Preliminarmente, convém esclarecer que antes do chamado Estado de Direito, já existia o estado absolutista fundamentado numa constituição que previa obediência incondicional ao soberano, visto que as constituições escritas não estão ligadas à origem do constitucionalismo.
Não se pode olvidar que as constituições escritas surgiram com as revoluções liberais do século XVIII, que culminaram na Constituição americana de 1787 e na Constituição francesa de 1791, enquanto o constitucionalismo surgiu com os povos da antiguidade.
O art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, dispõe que: “toda sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes não possui Constituição”. (grifo nosso)
De acordo com a lição do eminente jurista José Joaquim Gomes Canotilho, seguido pela doutrina e jurisprudência majoritárias, a noção do conceito ideal de constituição possui três características: a) documento escrito (formal); b) garantia das liberdades (previsão de direitos fundamentais) e participação política do povo (participação popular no parlamento); c) documento que visa a limitação ao poder (separação de poderes) por meio de programas constitucionais.
A meu ver, as principais características são a garantia das liberdades individuais por meio da concretização dos direitos fundamentais e a limitação do poder estatal mediante a separação dos poderes, cada um exercendo sua função precípua sem interferir na esfera do outro, haja vista nossa Carta Magna de 1988 prever expressamente em seu art. 2º como um dos princípios fundamentais a separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si.
Teoricamente, deveriam ser independentes e harmônicos, todavia, atualmente, esse mandamento constitucional não está sendo obedecido no Brasil, uma vez que de algum modo, intencionalmente ou não, um poder está interferindo claramente no outro, causando uma verdadeira insegurança jurídica e crises entre as instituições democráticas, cada um querendo demonstrar mais força do que o outro poder.
Entretanto, é cediço que o Estado é uno, assim como a Justiça e o poder também são um só, que emana do povo, sendo assim, todas as instituições democráticas devem respeito ao povo.
Ademais, vale ressaltar que o poder constituinte originário é do povo, que se manifesta por meio de Assembleias Constituintes ou Convenções para promulgar novas constituições. Por outro lado, há a possibilidade de criar uma nova constituição usurpando o poder constituinte do povo por via da outorga, ou seja, quando é imposta ao povo.
Ainda falando do povo como titular absoluto do poder, o constituinte originário possui as seguintes características: a) Político - não tem natureza jurídica; b) Inicial - inaugura a ordem jurídica; c) Incondicionado - não está sujeito a limites procedimentais; d) Ilimitado ou autônomo - significa que o constituinte originário não está sujeito a limites materiais; e) Permanente - permanece em estado de latência.
Atualmente, como exceção ao caráter ilimitado do poder constituinte originário, a doutrina reconhece dois limites materiais: a) direito internacional dos direitos humanos concernentes às obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, pois uma nova Constituição deve observar os tratados anteriormente incorporados ao direito interno; b) princípio de justiça referente aos valores, consciência jurídica internacional, onde vigoram direitos, moral universal, consciência, ideia de democracia e valores que devem ser observados pela nova Constituição.
Frise-se que os direitos fundamentais são inalienáveis, indisponíveis, intransferíveis, inegociáveis, não tem conteúdo jurídico patrimonial, ou seja, o titular não pode negociar seus direitos fundamentais em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Destarte, nenhum indivíduo da sociedade brasileira pode abrir mão das formas de expressões de liberdade que lhe são de direito e estão previstas na CF/88, a saber: a) Liberdade de manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (art. 5°, IV); b) Vedação à censura (art. 220, caput e §§); c) Liberdade de consciência e crença (Art. 5°. VI, VII e VIII); d) Liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5°, inciso IX); e) Liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5°, inciso XIII); f) Liberdade à intimidade e à vida privada, que são invioláveis (art. 5°, inciso X); g) Liberdade de locomoção (direito de ir e vir) no território nacional em tempo de paz (art. 5°, inciso XV); h) Liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar (art. 5°, incisos XVII, XVIII, XIX, XX e XXI); i) Liberdade de reunião, assegurando que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização (art. 5°, inciso XVI), dentre outras liberdades conquistadas há séculos com muita luta e sangue, literalmente, que nos últimos dias estão sendo tolhidas e mitigadas no Brasil.
Paulo César
PAULO CÉSAR DA SILVA MELO, brasileiro, alagoano de Arapiraca, casado, pai de 4 filhas, servidor público estadual desde 2000, policial civil desde 2002, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), escritor de artigos jurídicos, aprovado no XIV exame nacional da OAB apto à advocacia desde 2014, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI), pós-graduando em Políticas Públicas e Direitos Humanos pela UNEAL, com outras especializações em segurança pública promovidas pelo Ministério da Justiça, pesquisador das ciências criminais, professor de direito em cursos preparatórios e eterno aprendiz.
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