'Cristã e boa de cama': Sexóloga evangélica ensina mulheres e casais a conciliar fé e prazer sexual

Por Folha de São Paulo 16/11/2025 14h02
Por Folha de São Paulo 16/11/2025 14h02
'Cristã e boa de cama': Sexóloga evangélica ensina mulheres e casais a conciliar fé e prazer sexual
Kariely - Foto: Reprodução

"Cristã e boa de cama" é o mantra de Kariely de Andrade, fisioterapeuta pélvica e sexóloga que transformou sua prática no consultório em conteúdo de educação sexual para mulheres religiosas nas redes sociais.

Em suas postagens, ela busca desfazer tabus e fala, por exemplo, de dor na penetração, culpa e desejo e promete conectar práticas alinhadas aos dogmas do cristianismo à satisfação no casamento.

Aos 27 anos, casada há quatro, Kariely cresceu em lar evangélico e é membro da Assembleia de Deus. Antes de se especializar em saúde íntima, viveu por dois anos a dor na relação —quadro que identifica como vaginismo— e decidiu se aprofundar na fisioterapia pélvica para atender outras mulheres com o mesmo problema. Em seguida, passou a falar de sexualidade de forma mais ampla.

O atendimento virou base de uma comunidade que hoje soma mais de um milhão de seguidores, com público majoritariamente feminino e casado, mas também composto por noivos e noivas que buscam orientação para uma vida sexual "com princípios" e pessoas não religiosas que se identificam com o seu discurso e a forma como encara a sexualidade.

A virada de chave, diz ela, veio quando passou a colocar a fé no centro do seu conteúdo, que até então era mais neutro. "Eu via, dentro do público cristão, o interesse em entender sobre a sexualidade com princípios, mas não tinha a quem procurar. Então pensei: preciso me levantar nesse sentido", afirmou.

"Muitos de nós, como cristãos, não têm a quem perguntar sobre a sexualidade. Nem todos os pastores estão preparados para dar essas respostas."

Desde então seu conteúdo parte de dois alicerces que considera complementares: evidências clínicas e estudo bíblico. "A palavra de Deus fala muito sobre sexo. É mais a religiosidade que diz ‘não pode’ do que a própria escritura", diz Kariely .

Na prática, isso significa falar sobre sexo e saúde íntima sem abrir mão do enquadramento religioso e de referências bíblicas. "Eu só atrelo as evidências científicas aos princípios cristãos que nós temos", conta.

Essa filosofia se reflete na hora de responder às perguntas que mais ouve, como "o que pode e o que não pode entre quatro paredes?" ou "tal prática é pecado?". Kariely explica que propõe três "peneiras" de decisão. A primeira é a saúde: a prática machuca ou pode causar lesões? Se sim, deve ser descartada.

A segunda é o consentimento. Ambos desejam? Se for "egoísta ou objetificante", diz, não é amor e, logo, também não pode. Ela embasa citando 1 Coríntios capítulo 13 para lembrar que "o amor não busca os próprios interesses".

A terceira é o risco de vício, como o consumo de pornografia e a masturbação, que, segundo ela, "podem viciar" e reduzir o desejo no relacionamento. "O sexo foi criado para que a satisfação fosse conjugal", afirma. Na avaliação dela, masturbação recorrente —mesmo sem pornografia— tende a treinar o corpo para um tipo de estímulo que "dificulta o prazer a dois".

"O sexo vem para nos abençoar, para nos trazer paz, para nos trazer conexão", resume. Ela reitera que não faz sentido pessoas cristãs fazerem, em momentos de intimidade, coisas que não se alinham com seu dia a dia, como o uso de palavras de baixo calão, xingamentos ou violência.

Mas isso não significa que o casal deve se limitar, desde que respeite o que é considerado virtuoso. Kariely frisa, por exemplo, que não é porque uma mulher é cristã que ela não pode ter lingeries mais sexy ou usar alguns brinquedos de sex shop durante a relação.

"Intimidade completa é o equilíbrio de viver de forma prazerosa, sabendo que nem tudo vou poder fazer, porque não convém aos princípios cristãos, mas também nem tudo é pecado."

Ela afirma que o sexo não tem apenas função reprodutiva, mas é ferramenta para aumentar a conexão e "unir os dois em uma só carne".

Usando 1 Coríntios capítulo 7 versículo 5 ("Não vos priveis um ao outro, senão por consentimento mútuo por algum tempo, para vos aplicardes ao jejum e à oração; e depois ajuntai-vos outra vez, para que Satanás não vos tente pela vossa intemperança"), sustenta que a intimidade no casamento deve ser regular, evitando longos períodos sem relação para que o casal não se afaste e para manter a conexão gerada por hormônios como ocitocina e endorfina.

Quando o assunto são práticas específicas, ela recorre tanto à Bíblia quanto à medicina. "Cantares de Salomão", explica, é lido por estudiosos da Bíblia como um livro "romântico, até erótico", com referências de beijos e oralidade ("Ah, se ele me beijasse, se a sua boca me cobrisse de beijos… Sim, as suas carícias são mais agradáveis que o vinho"). Para ela, essa leitura abre margem para o sexo oral no casal.

Já o sexo anal, afirma, cai na primeira peneira por "potencial de lesão de esfíncteres, fissuras e incontinência", além de maior risco de infecções. "Deus criou uma via lubrificada e limpa para a relação; o diabo não cria nada, ele perverte a criação de Deus", diz a sexóloga.

Contracepção, por sua vez, ela trata como tema de consciência individual. Diz que respeita quem considera pecado, mas não vê problema em o casal controlar a natalidade com métodos não abortivos ou naturais, desde que a decisão seja informada e conjunta.

Além das redes sociais, parte da atuação de Kariely acontece também dentro de igrejas evangélicas, com palestras para os fiéis e com cursos online que vão do tratamento da dor na penetração a guias para a "primeira vez" de casais virgens (ao custo de R$ 497 cada).

O mais famoso, o "Cristã e Boa de Cama", ensina técnicas, posições, massagem e comunicação "sem perverter os princípios". "Quero mostrar para as mulheres que elas não precisam escolher entre ser cristã ou ser boa de cama. Elas podem ser as duas coisas, aprendendo tudo isso de forma saudável, completa, santa e muito prazerosa."

"A Bíblia fala que tudo o que Deus criou é bom e Deus nos deu vida, e vida para vivermos em abundância em todas as áreas da nossa vida, inclusive na nossa intimidade", diz. É baseado nessa ideia que ela tem convencido sua audiência de que santidade e prazer não são opostos, mas uma dupla possível. "A mulher cristã pode gostar de sexo", afirma.