Entenda a invenção brasileira que promete salvar os jumentos da extinção no Nordeste

Por BBC News 17/10/2025 15h03
Por BBC News 17/10/2025 15h03
Entenda a invenção brasileira que promete salvar os jumentos da extinção no Nordeste
Jumentos no Brasil - Foto: Reprodução

Os principais pesquisadores de equinos de universidades federais do Brasil têm se unido para enfrentar o risco de extinção de jumentos no Nordeste.

A crise é consequência de uma demanda bilionária da China que compra as peles destes animais para fazer ejiao, um elixir que promete vitalidade, entre outros benefícios para saúde, segundo os preceitos milenares da Medicina Tradicional Chinesa (MTC).

Entre os estudos desenvolvidos pelos cientistas, se destaca uma pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que pode gerar até o final de 2026 os primeiros resultados para produzir colágeno de jumento feito em laboratório a partir da fermentação de precisão.

Trata-se de uma técnica avançada de biotecnologia para o cultivo de células e produção de tecidos, também conhecida como agricultura celular.

Os avanços do projeto foram apresentados pela primeira vez no 13º Congresso Mundial de Alternativas e Uso de Animais nas Ciências da Vida (WC13), realizado no Rio de Janeiro no começo de setembro, e podem oferecer uma alternativa ao abate desses animais pelo mundo.

A demanda pelo colágeno produzido a partir da pele do jumento já provocou o risco de desaparecimento desses animais na África, continente de onde são originários, e ameaça a espécie no Brasil, onde, segundo cientistas, houve uma redução de 94% da população de jumentos nas últimas décadas.

Os cientistas tentam salvar a espécie Equus asinus, que chegou ao Brasil em 1534, em uma expedição liderada pelo administrador colonial português Martim Afonso de Souza para a Capitania de São Vicente, tornando-se a maior população desse animal na América do Sul, com uma concentração de 90% no Nordeste.


Nos anos 1990, no entanto, os jumentos começaram a ser substituídos por motos, iniciando um processo de desaparecimento da espécie que piorou muito na última década por conta da demanda pelo ejiao.

Segundo a ONG internacional The Donkey Sanctuary, de 2018 a 2024, pelo menos 248 mil jumentos foram abatidos apenas na Bahia, único Estado com três frigoríficos autorizados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) para realizar esse tipo de atividade.  

"Estamos prestes a ficar sem jumentos no Brasil, e não é um comércio que se defenda, nem do ponto de vista puramente pragmático do comércio", diz Carla Molento, doutora em zootecnia e coordenadora do Laboratório de Bem-Estar Animal (Labea) e do Laboratório de Zootecnia Celular da UFPR.

"É um beco sem saída, então, seria muito importante que isso fosse parado antes que acabemos com os jumentos, porque só vai parar na hora que acabarmos com eles. Então, não faz sentido."
Ameaça de extinção

Celebrado na China como um dos tesouros da sua cultura, o aumento da demanda de ejiao tem provocado a diminuição do rebanho não só no Brasil e na Ásia, mas na África, onde o comércio de pele de jumento foi proibido em 2024 com uma moratória de 15 anos para o abate, em uma decisão unânime de 55 chefes de Estado reunidos na Cúpula da União Africana.


Nem o fato de se opor à China, seu maior parceiro comercial, abalou a decisão africana a favor do Equus asinus que esse continente domesticou e espalhou há quase 7 mil anos pelo mundo. Pesou também na decisão dos líderes africanos o custo sociocultural de perder a espécie.

Isso porque o afeto aos jumentos não é apenas nordestino e símbolo cultural do semiárido como sugere a literatura de cordel ou a Apologia ao jumento cantada por Luiz Gonzaga.