Um vídeo que supostamente mostraria pessoas que "se identificam como ovelhas" viralizou, nesta semana, e gerou confusão nas redes sociais. O post original foi publicado num perfil no TikTok com mais de 77 mil seguidores que mistura humor com imagens geradas por Inteligência Artificial (IA). E embora as imagens tenham sido feitas nesse contexto, elas remetem a algo que de fato existe: o fenômeno dos therians.

O que é uma pessoa therian?

O movimento, conhecido também como "otherkin", tem se popularizado cada vez mais em fóruns de internet e redes sociais. O nome therian vem do termo "therianthropia", que designa uma pessoa que se identifica, de forma espiritual, psicológica ou emocional, com um animal, chamado de "theriotype".

Não se trata apenas de "agir" como outra espécie: para uma pessoa therian (ou "transespécie"), é parte essencial de sua identidade.

Em um artigo para o Hospital Santa Mônica, a psiquiatra Carla Mendes explica que não há diagnóstico específico para esse comportamento: “Em muitos casos, não é doença. Mas pode ser um sinal de sofrimento psicológico, fuga da realidade ou trauma, especialmente quando o comportamento causa prejuízo à vida social, escolar ou profissional do indivíduo”, escreveu.

Ainda segundo a especialista, essa identificação pode estar ligada, em alguns casos, a transtornos dissociativos, tipos de esquizofrenia ou ao espectro autista. “Mas isso não significa que toda pessoa que se identifica como animal tenha um transtorno”, afirmou ela.

O que é o movimento therian?

Embora a ideia de “homem-animal” seja antiga, o movimento tomou forma no contexto da internet: fóruns, redes sociais, blogs, sites de identidade pessoal, e se fortaleceu a partir de debates de identidade, espiritualidade, de pertencimento, especialmente nas últimas décadas.

Nas redes sociais, as pessoas publicam vídeos, textos, artes, experiências. É possível ter como "theriotypes" animais como lobo, gato, corvo, raposa, entre muitos outros.

Segundo fóruns, essa identificação não costuma ser algo escolhido de forma superficial, como numa fantasia ou cosplay, mas sim algo sentido, algo interno. Pode haver comportamentos, instintos, sensações ou sonhos que lembrem o animal. Há, ainda, quem relate sonhos que digam respeito ao animal, comportamentos instintivos, sensações físicas ou emocionais de mudança.

Therians: movimento já gerou polêmica

O movimento já gerou polêmica no passado. Em 2023, a imprensa internacional noticiou que centenas de pessoas “que se identificam como cães” se reuniram em um protesto em Berlim, comunicando-se apenas por meio de uivos ou latidos.

No mesmo ano, um youtuber japonês chamou atenção após gastar R$ 72 mil em uma fantasia hiper-realista de cachorro da raça border collie. "Meu nome é Toco, eu queria ser um animal e me tornei um collie", se apresentava ele nas redes sociais, em referência à raça de cachorro que ele "se transformou".

Nas imagens, ele aparece realizando ações típicas de um cachorro, como rolar no chão, brincar no quintal e comer em uma tigela. O homem alega que gosta de fazer coisas que os cães geralmente fazem, porque isso o faz se sentir como um animal de estimação de fato. Além disso, ele mencionou que esse era um sonho de infância.

Em 2022, a agência Reuters precisou publicar uma reportagem de checagem de fatos afirmando que não há “evidências de que crianças nos EUA estão se autoidentificando como animais”.

A polêmica surgiu a partir de um trecho do documentário “What is a woman?” (O que é uma mulher?, em tradução livre), do comentarista conservador americano Matt Walsh.

Em uma das entrevistas, a terapeuta familiar Sara Stockton, de Nova York, afirma que há alunos se identificando como animais nas escolas e atrapalhando as aulas. Segundo ela, essas crianças “miam e ronronam em vez de responder às perguntas, e os professores não podem questionar porque isso é considerado uma identidade ‘queer’”.

Segundo a agência, a entrevistada confundiu o movimento therian com “furries”.

Qual é a diferença entre furry e therian?

Furry é uma forma de cosplay, realizado por pessoas interessadas em animais com características humanas. Em resumo, é uma comunidade de fãs formada por quem gosta desse tipo de mídia e também busca amizade e inclusão social.

Courtney Plante, pesquisadora especializada em furries, disse à Reuters que as alegações de Stockton sobre furries ou therians em escolas já circulam na internet há mais de uma década, mas não têm base real.

“Há boatos de que furries estariam comendo em tigelas de cachorro ou miando nas aulas, mas apesar de estudarmos milhares de furries, nunca encontramos evidências disso”, afirmou.

A agência reforçou que já checou histórias como essas “diversas vezes” e não encontrou provas de que alunos estivessem atrapalhando aulas ou que escolas tenham criado políticas para reconhecê-los como identidade formal.

“As alegações sobre a popularidade ou aceitação social da therianthropia não são sustentadas por nenhuma pesquisa. Entrevistei muitos therians, e nenhum relatou que professores ou a sociedade fossem obrigados a reconhecer essa identidade como queer”, completou a professora de psicologia e pesquisadora Elizabeth Fein.