Defensoria busca reparação para pessoas com HIV expostas na Bahia

Por Redação com Agência Brasil 23/09/2025 19h07
Por Redação com Agência Brasil 23/09/2025 19h07
Defensoria busca reparação para pessoas com HIV expostas na Bahia
HIV - Foto: Reprodução/Internet

exposição não cause outros danos às vítimas, a publicação dos nomes já fere a Lei Nº 14.289, de janeiro de 2022, que garante o sigilo das pessoas que vivem com HIV.

Além disso, a defensoria pública estadual acrescenta que foram descumpridos artigos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e da Constituição Federal, o que representa um dano moral indenizável.

"A gente pode atender coletivamente e ajuizar uma ação civil pública, pedindo danos morais coletivos, causados contra a sociedade inteira. Aí, se o município for condenado, o dinheiro vai para algum fundo público. Além disso, cada pessoas que sofreu com essa situação pode procurar a Defensoria para uma ação individual", explica o defensor público.

No sábado (20), uma publicação foi feita no diário oficial do município para informar sobre a suspensão do benefício de passe livre nos transportes municipais, concedido a cerca de 600 pessoas que têm HIV, anemia falciforme e fibromialgia. O informe, no entanto, foi acompanhado de uma lista com o nome de todas as pessoas que tinham o benefício e suas respectivas condições.

A publicação ficou no ar por algumas horas e depois foi retirada pelo poder municipal. A Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana publicou uma nota, em seguida, afirmando que a lista foi publicada por "uma falha no sistema" e que "lamenta profundamente o ocorrido". Uma sindicância foi criada para apurar o caso e terá 15 dias, contando a partir desta segunda-feira (22), para produzir um relatório conclusivo.

O Ministério Público da Bahia (MPBA) também instaurou um procedimento administrativo para apurar o caso e "a eventual inobservância das normas legais relacionadas ao direito à cidadania". Na terça-feira (23), o MPBA oficiou o município de Feira de Santana, para que preste esclarecimentos quanto às circunstâncias que envolveram a divulgação indevida no diário oficial.

Reparação

O defensor público à frente do caso já se reuniu com representantes da sociedade civil na última segunda-feira (22), para debater formas de reparação pelo ocorrido. Outra reunião foi marcada para quinta-feira (25), quando é esperada a participação de algumas das 280 pessoas com hiv que tiveram seus nomes expostos. O defensor também já conversou com representantes da Prefeitura.

"A gente pode negociar uma solução extrajudicial. A Prefeitura pode aceitar fazer um termo de ajustamento de conduta, que é um instrumento que a gente tem, para evitar uma ação coletiva. Pode se comprometer a não revogar esse benefício e também pode oferecer algum valor em virtude do dano. Eles reconheceram o erro e se demonstraram dispostos a procurar caminhos para que a gente possa resolver sem ser discutido na Justiça, o que a gente sabe que tem o ônus da demora,", complementa.

A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) também divulgou uma nota manifestando "profunda indignação" pelo ocorrido e solidariedade às vítimas.

"A exposição de informações médicas sigilosas constitui violação da Constituição Federal, da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), das normas do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos princípios éticos que orientam a prática médica", reforça a entidade.

A SBI reivindicou que o caso seja apurado com rigor e que os responsáveis sejam penalizados, considerando que "situações como esta não apenas ferem a dignidade das pessoas envolvidas, mas também as expõem ao estigma, à discriminição e a consequências irreparáveis". A SBI reiterou ainda que "a proteção da privacidade e da dignidade das pessoas vivendo com HIV é um direito inegociável."

O caso também mobilizou organizações e ativistas pelos direitos das pessoas com HIV. O Grupo Pela Vidda do Rio de Janeiro, primeira organização do tipo criada no Brasil, está redigindo uma carta de repúdio e pretende acionar o Ministério Público Federal para apurar o caso.

"É inadmissível que qualquer órgão público, seja ele qual for, faça divulgação de sorologia. Já se passaram mais de 40 anos da epidemia (de aids), e a gente ainda ainda continua lutando contra o estigma, para que as pessoas tenham privacidade, para que elas possam viver suas vidas e tenham o direito de revelar para quem elas acharem que devem revelar", afirma o presidente da organização Marcio Villard.

Estigma

O presidente do Grupo Pela Vidda acrescenta que situações como essa reforçam o estigma sobre a própria doença. "O HIV, hoje, não é aquele HIV dos anos 80, mas as pessoas ainda guardam aquele quadro de pessoas morrendo, em estado terminal. Hoje, as pessoas podem descobrir o HIV e viver normalmente. Mas ainda há uma certa dificuldade de entender que, quanto mais cedo se faz o teste e quanto mais cedo se descobre e trata, a pessoa não adoece. Mas, justamente por conta do preconceito, elas preferem não fazer".

O pesquisador e ativista João Geraldo Netto destaca que casos desse tipo podem afastar ainda mais as pessoas com suspeita da doença ou diagnóstico confirmado, dos serviços de saúde e de outras políticas públicas que podem beneficiá-las.

"A gente ainda precisa lidar com uma coisa muito forte, que é o preconceito e o autopreconceito. As pessoas podem se recusar até mesmo a tomar o medicamento, porque elas não querem se cadastrar no serviço de saúde, por saber que as informações dela vão estar no sistema".

"Todos os dados de saúde são sigilosos, mas quando a gente fala de HIV, a gente está colocando um problema de saúde que é carregado de muito preconceito, e esse preconceito também se transforma em discriminação. Existem pessoas que, quando têm o HIV revelado, são demitidas, pessoas que não conseguem ter relacionamentos. Existem pessoas em cidades pequenas que, uma vez que é descoberto que ela vive com HIV, ela vai ouvir comentários sobre a vida pessoal dela pelo resto da vida", completa Netto.

Para o Diretor de Defesa da Diversidade da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro, Nélio Georgini, a prefeitura baiana violou o direito que essas pessoas têm de não revelar sua condição publicamente. "Essas pessoas tiveram um direito fundamental retirado. Isso violenta um grupo que já é vulnerável. E nós temos que ver a interseccionalidade. Porque essas pessoas podem ser de outros grupos vulneráveis como os LGBTs, o que também pode levar a outro preconceito".