Entre a farda e os versos, policial alagoano transforma a própria vida em poesia

Por Redação, com Agência Alagoas 21/09/2025 17h05
Por Redação, com Agência Alagoas 21/09/2025 17h05
Entre a farda e os versos, policial alagoano transforma a própria vida em poesia
Entre a farda e os versos, policial alagoano transforma a própria vida em poesia - Foto: Igor Lessa/Ascom PMAL

“Os poetas continuam sendo os timoneiros do mundo”. O trecho, presente no livro As Imaginações, do escritor alagoano Lêdo Ivo, descreve a coragem e a sensibilidade daqueles que escolhem as palavras para interpretar a realidade. Entre eles está o capitão Jordão, policial alagoano que abraçou a dupla missão de guiar e proteger a sociedade através da farda e dos versos. Com liberdade criativa, ele revela a afinidade entre a literatura e a atividade policial, presente desde os concursos de poesia promovidos pela Corporação na década de 80 e fortalecida ao longo do tempo até os dias atuais.

O oficial de 39 anos, autor de dois livros e centenas de poemas, abre uma série de reportagens, nas quais serão contadas as histórias de militares que se dedicam, além da farda, à cultura, à música e ao esporte, mostrando um lado humano muitas vezes desconhecido.

“Como todos os homens, sou inacabado. Jamais termino de ser”.

Integrante da Polícia Militar há quase 20 anos, o capitão Leonardo Jordão seguiu uma carreira mais próxima dos números do que das letras. Formado em contabilidade, atua no setor de licitações da Diretoria de Logística da PM. Mas se engana quem pensa: a matemática também pode ser fonte de inspiração para sua paixão pela literatura.

“Acredito que os números também são uma forma de linguagem. Nossos dilemas diários permeiam a história, inclusive no âmbito profissional. Já fiz poemas tendo como temática as licitações e as combinações de leis aplicadas nos despachos dos processos”, descreveu o militar.

O interesse do capitão pela poesia surgiu ainda no ensino médio. Jordão conta que gostava de imaginar o que estava por trás de cada frase escrita pelos autores que acompanhava.

“Os versos sempre trazem uma reflexão do autor. Então, eu gostava de ficar lendo e imaginando as infinitas possibilidades de interpretação que aquelas palavras traziam. Cada escritor utiliza ferramentas linguísticas diferentes para transmitir uma mensagem. Isso me chamava muito a atenção”, relatou o policial.

Ele não tem um escritor ou livro preferido, mas leva como referência o legado dos imortais Lêdo Ivo, Carlos Drummond de Andrade e Charles Bukowski.

“As pessoas comentam sobre ter um livro de cabeceira, mas tenho um pensamento que diverge um pouco. Ao longo da vida, passamos por fases que nos exigem diferentes formas de pensar e refletir sobre as escolhas que precisamos tomar. Então, é importante termos várias referências para nossos anseios”, pontuou o oficial.

“E no nunca me achar é que me encontro e sou.”

Seja no trabalho policial ou na escrita, o capitão Jordão tem a inquietude como virtude para construir suas conquistas. E foi com a bagagem das experiências de vida que criou coragem para reunir seus textos e publicar seu primeiro livro, em 2017. Com o título Sentimentos Pensados, lançado pela editora alagoana Viva, a obra traz reflexões sobre o cotidiano e emoções no âmbito pessoal e profissional. Para ele, o grande desafio foi seguir uma identidade própria.

“Sou um escritor independente, então não separo minha obra por temática ou linha editorial. Falo sobre amor, trabalho, família, filhos, tudo em um único livro”, revela o poeta.

Já em seu segundo exemplar, intitulado Militância Poética, Jordão adotou um tom mais crítico, abordando conflitos enfrentados por todos nós. Os trabalhos independentes, somados às colaborações em livros de outros autores, levaram o militar a alcançar uma posição de prestígio na literatura.

Oito anos após publicar seu último exemplar, o policial conta que a chegada dos seus dois filhos, um de cinco anos e outro de um ano e oito meses, o impulsionou a trabalhar na criação de mais um livro, ainda sem nome.

“Apesar de não ter um título, tenho mais de 180 textos prontos, só esperando a coragem para serem publicados. Desta vez, a questão familiar e como os filhos transformam o nosso cotidiano serão protagonistas dos meus versos”, revelou o capitão.

Desde 2020, o capitão Jordão é membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste. Sua conquista mais recente foi a entrada na Academia Maceioense de Letras. Ao lado das pelerinas, vestimentas acadêmicas utilizadas em momentos solenes, ele relembra com orgulho o posto alcançado.

“O processo de entrada nas academias literárias segue a mesma liturgia iniciada por Machado de Assis, na fundação da Academia Brasileira de Letras. O escritor submete seu trabalho para os responsáveis, que leem e avaliam se o autor está apto ou não para fazer parte daquele grupo. Felizmente fui aprovado nos dois processos seletivos de símbolos da literatura estadual e regional”, destacou o militar.

“Mas onde se escondem os homens, que contudo voam a vida inteira no escuro.”

Além de fonte de inspiração, a Polícia Militar é motivo de orgulho para o capitão Jordão. Em seus discursos e conversas no ambiente literário, ele faz questão de enfatizar que também desempenha a função de policial, destacando as virtudes que a profissão carrega.

“Creio ser importante, enquanto militar, mostrar para a sociedade o que a Polícia tem de talento e trabalho além das atividades ostensivas. Por vezes, esse outro lado fica escondido e as pessoas precisam conhecer as diferentes formas com que contribuímos para a coletividade”, reforçou o oficial.

A corporação à qual escolheu servir foi pioneira na promoção da arte e atividades culturais no estado.

Durante os anos 80, a Polícia Militar organizou uma série de competições de talentos, incluindo a primeira edição do Concurso de Poesias da PM-AL, ocorrido em 1986. Os registros constam no livro “Memórias de um QOA PM”, escrito pelo policial reformado Antônio Benedito Tavares. A disputa cultural acontecia no antigo Teatro de Arena Sérgio Cardoso. A iniciativa contou com o apoio da Organização Arnon de Melo e da Fundação Teatro Deodoro (Funted), premiando as três melhores poesias autorais feitas pelos militares.

Ao ser questionado sobre qual figura vem primeiro, o escritor policial ou o policial escritor, Jordão traz uma reflexão descontraída: “Essa separação não existe. Você não acorda “algo” pela manhã, você acorda uma pessoa. Esse personagem é a soma de tudo aquilo que somos: pai, marido, policial, escritor. Você é simplesmente você”, enfatizou ele.

A metáfora do timoneiro, usada para descrever os poetas, também pode ser associada à atividade policial. O eu lírico assume a árdua, mas orgulhosa missão de salvaguardar seu povo, mesmo “com o risco da própria vida”. Mas ele vai além dos estereótipos que a função carrega: o policial sorri, sente medo e enfrenta suas inseguranças. Por trás da farda, que funciona como armadura, seus talentos se revelam, contribuindo para a construção de um futuro mais promissor."

*Os intertítulos desta matéria são uma homenagem a Lêdo Ivo (1924–2012) – Poeta, romancista, cronista e ensaísta alagoano. Integrante da terceira geração modernista e da Academia Brasileira de Letras, é considerado um dos grandes nomes da poesia brasileira do século passado.