Criminosos no Rio usam técnica de cirurgia craniana para furtar petróleo e derivados em oleodutos

Por Extra 07/09/2025 11h11
Por Extra 07/09/2025 11h11
Criminosos no Rio usam técnica de cirurgia craniana para furtar petróleo e derivados em oleodutos
Malha dutoviária se estende ao longo de aproximadamente 1.000 quilômetros de faixas de dutos no Estado do Rio - Foto: Divulgação / Transpetro

Sob os pés dos moradores de 33 municípios do Estado do Rio, há uma malha de dutos subterrâneos que transporta petróleo e derivados, como diesel, gasolina e biocombustíveis. Essa rede com mais de mil quilômetros é monitorada em tempo integral para impedir a ação de grupos criminosos especializados, que usam equipamentos avaliados em mais de R$ 300 mil para perfurar as tubulações e desviar os produtos. No ano passado, foram registrados pelo menos sete casos de furto no estado. Embora o número pareça pequeno, os episódios acenderam um alerta na Polícia Civil e nas empresas que atuam no setor de combustíveis, por se tratar de um crime altamente sofisticado, que pode provocar acidentes extremamente graves.

O histórico de “derivações clandestinas” — como esse crime é chamado — monitoradas pela Transpetro, subsidiária de transporte da Petrobras, mostra que a primeira ocorrência de furto de combustível no Brasil foi registrada em 2011. Esse tipo de crime, no entanto, atingiu o ápice em 2018 e 2019, quando os bandidos aprenderam a perfurar os canos com uma técnica usada em cirurgias intracranianas, método ainda empregado pelas quadrilhas especializadas.

Carlo Faccio, diretor executivo do Instituto Combustível Legal, explica que a trepanação é uma técnica que permite a perfuração de dutos sem que haja uma grande perda de pressão, dificultando a percepção da ação criminosa.

— Esse tipo de roubo é realizado com uma engenharia muito elaborada. Eles recorrem à técnica de trepanação, a mesma usada para perfurar o crânio em procedimentos cirúrgicos, e inserem uma sonda para recolher o produto. O equipamento retira o petróleo ou o derivado, inicialmente em pequenas quantidades, como se estivesse “sangrando” o duto — explicou.

Risco de vida e econômico

Titular da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), Pedro Brasil explica que, embora os registros de furto de petróleo em dutos tenham apresentado queda nos últimos anos — em 2018, a Petrobras identificou 261 casos no Rio e em São Paulo —, a derivação clandestina é um crime que coloca a vida de muitas pessoas em risco.

— Cada perfuração clandestina representa um risco de desastre. A prática pode provocar vazamentos que levam à contaminação de solo e de cursos d’água, além da possibilidade de incêndios e explosões de enorme magnitude. Comunidades inteiras que vivem próximas aos oleodutos ficam sob risco permanente de acidentes, que podem resultar em mortes. Além disso, esse tipo de crime compromete a segurança energética do país — afirma o delegado.

Em 2019, a menina Ana Cristina Pacheco, de 8 anos, morreu após ter 80% do corpo queimado ao cair em uma poça de gasolina quente, no momento em que havia um vazamento em um duto da Petrobras provocado por tentativa de furto de combustível. O caso ocorreu no Parque Capivari, em Caxias, na Baixada Fluminense.

De acordo com Carlo Faccio, os produtos que passam pelos dutos geralmente são matérias-primas pouco refinadas. O simples contato com a pele pode provocar escamações, enquanto a exposição a vapores pode causar queimaduras. Em casos mais graves, há risco de explosão.

Para reforçar a segurança na sua rede, a Transpetro criou um centro de controle e proteção de dutos, de onde técnicos monitoram a operação 24 horas por dia, sete dias por semana. A sala conta com um sistema de detecção de vazamentos e furtos, acompanhado em tempo real pelos funcionários.

Quando há qualquer alteração de pressão na rede, os operadores podem ligar e desligar centenas de bombas e motores, além de abrir ou fechar válvulas para evitar acidentes. Se houver suspeita de ação ilegal, uma equipe técnica é acionada para ir até o local, enquanto drones fazem o monitoramento das áreas mais sensíveis. A empresa também criou um canal de emergência para que moradores próximos às tubulações possam denunciar atividades suspeitas: o número 168 recebe chamadas gratuitas e anônimas.

Para furar um duto de petróleo ou de derivados, criminosos montam um engenhoso esquema que pode durar dias. Divididos em equipes, costumam agir à noite, instalando o equipamento necessário. No dia seguinte, utilizam caminhões disfarçados, para receber e transportar o produto.

O delegado Pedro Brasil explica que esses crimes não são cometidos por amadores. Segundo ele, o furto de petróleo e derivados é praticado por grupos altamente organizados, que contam com integrantes com conhecimento técnico específico:

— Há uma divisão clara de tarefas, desde aqueles que realizam a perfuração e a instalação das derivações clandestinas até os responsáveis pelo transporte, pelo armazenamento e, por fim, pela comercialização do produto ilícito. Os receptadores, em geral, são empresários de usinas de asfalto e dos ramos de combustíveis, lubrificantes, fertilizantes e borracha que se prestam a adquirir esse petróleo ou derivado a preços abaixo dos de mercado, alimentando um ciclo criminoso.

Este ano, a Polícia Civil deflagrou duas grandes operações para prender envolvidos nesses crimes. A primeira, em fevereiro, teve como um dos alvos o bicheiro Vinicius Drummond, suspeito de fornecer veículos usados nos furtos. Ele nega qualquer participação. Uma ação em julho mirou outros suspeitos, velhos conhecidos da polícia por atuarem neste mercado há muitos anos. Um deles é Mauro Pereira Gabry, de 37 anos, investigado desde 2017. Ele já foi preso duas vezes e hoje está foragido.

Mudança na lei

No início deste mês, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que aumenta as penas para furto e roubo de combustível. O texto, que seguirá para o Senado, também cria novos crimes contra a ordem econômica relacionados à receptação desses produtos. O delegado Pedro Brasil explica que, atualmente, a conduta é enquadrada como furto qualificado, com pena que varia de dois a oito anos de prisão.

Segundo ele, a depender das circunstâncias, também podem ser aplicadas acusações por crimes ambientais (quando há contaminação do solo ou de cursos d’água), além de associação ou organização criminosa.

— O grande desafio é que, por se tratar de um crime sem violência ou grave ameaça, os investigados muitas vezes conseguem responder em liberdade. Ou seja, apesar dos elevados riscos à coletividade e dos prejuízos milionários, não é incomum que esses criminosos retornem rapidamente à atividade ilícita — afirmou.