Pesquisa avalia impacto da pandemia no diagnóstico e na mortalidade por HIV
O impacto da pandemia da covid-19 nos indicadores de diagnóstico e mortalidade por HIV/Aids em todo o Brasil entre 2020 e 2021. Esse foi o tema de uma pesquisa inédita coordenada pelo professor Márcio Bezerra, do Campus Arapiraca da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que trouxe dados preocupantes para a evolução e controle da doença no país. Os resultados foram publicados na Scientific Reports, uma das revistas que integra o grupo Nature. Clique aqui e confira.
As análises feitas pelo estudo mostram que o número total de diagnósticos de HIV/Aids teve diminuição de 22,4% em 2020 e de 9,8 em 2021. No entanto, houve aumento significativo na variação percentual de mortes pela doença com diagnóstico tardio: em 2020, o número foi de 6,9% e no ano seguinte, o número quase dobrou, indo para 13,9%. Em alguns estados, esse aumento foi superior a 87%, dentre eles, Alagoas, cujo número de óbitos com diagnóstico tardio foi de 90,7% em 2020 e de 117,8% em 2021.
“Foram reportadas tendências temporais decrescentes nos diagnósticos de HIV/Aids antes da pandemia especialmente nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. Contudo, essas tendências temporais se estabilizaram após a inclusão dos dois primeiros anos da pandemia. De modo geral, esses resultados ressaltam o grave impacto das ações relacionadas à pandemia nas estratégias de controle do HIV/Aids e indicam um cenário preocupante e insidioso para a evolução e controle da doença no Brasil”, explica Márcio Bezerra.
Diagnóstico precoce é um desafio global
Segundo o professor, o Ministério da Saúde informou que, em 2018, o Brasil registrou um total de 43.941 novos casos de infecção por HIV e 37.161 novos pacientes com o vírus da aids. No entanto, houve diminuição na incidência de infecções oportunistas, nas taxas de hospitalização e de mortalidade por aids de 22,8% entre 2014 e aquele ano.
“Por outro lado, houve um aumento nas taxas de infecção entre jovens de 15 a 20 anos. Apesar das estratégias de controle como campanhas de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento oportuno, o HIV/Aids continua sendo um desafio global e o objetivo de controlar a doença parece longe de ser alcançado”, aponta o pesquisador.
Além disso, mesmo depois de 40 anos desde a descoberta do vírus, a Aids continua sendo um grave problema de saúde pública em todo o mundo. Segundo Márcio, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) estimou que, em 2019, 38 milhões de pessoas em todo o mundo eram portadoras do vírus e somente na África, ele destaca, foram 400 mil mortes, número que representa mais de metade da taxa de mortalidade global.
HIV continua se espalhando pelo mundo
Apesar dos avanços na prevenção e na testagem do HIV, a doença continua a se espalhar pelo mundo, especialmente na Europa Central, na Ásia Central, no Médio Oriente, na África e também na América Latina. É ela, inclusive, que detém a segunda maior taxa de prevalência da doença a nível mundial: a estimativa chega a 2,2 milhões de pessoas infectadas.
“Em comparação com as estimativas de 2010, a incidência global do HIV em 2019 diminuiu 23% e a mortalidade 37%. Por outro lado, o número global de pessoas que vivem com HIV foi 24% superior em 2019 do que naquele ano. Apesar de todos os avanços alcançados nas últimas décadas, incluindo campanhas de prevenção, adesão à testagem do HIV e uso contínuo da terapia antirretroviral [TARV], a pandemia do HIV permanece, ainda, em expansão, com destaque para a América Latina”, complementa Márcio.
O professor diz ainda que o Brasil desempenha papel significativo nesse cenário por conta da concentração de casos. “A região [América Latina] não registrou redução nas taxas de infecção na última década e o Brasil desempenha um papel importante neste cenário, sendo responsável por 1/3 da população total que vive com a doença. O Brasil é responsável por 35% da população total que vive com HIV e 47% das novas infecções na América Latina”, lamenta Márcio Bezerra.
Em Alagoas, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) registrou queda no número de casos, indo de 340 no ano de 2021 para 292 em 2022. No entanto, Márcio diz que é preciso manter o alerta. “A Secretaria de Estado da Saúde alerta que a maioria dos diagnósticos foi realizado em jovens de 20 a 34 anos. E destaca ainda que, apesar dessa redução, não se deve ignorar os cuidados preventivos e a testagem para o vírus. Embora exista tratamento para o HIV/Aids, ainda não há cura para a doença”, lembra o docente.
Impacto da pandemia no controle da doença
As análises do estudo recente enfatizam ainda mais o impacto profundo da pandemia do novo coronavírus em estratégias de controle do HIV/Aids no Brasil e revelam também cenário preocupante para o alcance dessas metas.
“É imperativo que as autoridades de saúde reorganizem e reforcem urgentemente os programas de controle de doenças infecciosas. Caso contrário, o mundo poderá enfrentar desafios sem precedentes na saúde pública. A atual crise apresenta uma oportunidade para institucionalizar e financiar mais respostas comunitárias ao enfrentamento do HIV/Aids”, frisa Márcio Bezerra.
Cabe reforçar ainda que estudos anteriores desenvolvidos pelo grupo já vinham demonstrando o quanto a pandemia do novo coronavírus afetou negativamente o nível de doenças tropicais no Brasil. “Os estudos reportaram reduções significativas nos diagnósticos de hanseníase, tuberculose e esquistossomose”, complementa Márcio Bezerra.
No entanto, ele explica que essa queda não representa exatamente o controle nas infecções. “O cenário é muito mais grave. Isso representa subnotificação dos casos, isto é, menos pessoas estão sendo diagnosticadas, menos pacientes estão recebendo tratamento oportuno, mais pacientes permanecem infectados e isso consiste na continuidade da cadeia de transmissão da doença”, diz Márcio.
O pesquisador ainda faz um alerta quanto a um possível aumento no número de casos. “Eu espero estar enganado, mas o que a gente vislumbra com esse cenário epidemiológico é um aumento no número de casos dessas infecções e que, muito provavelmente, não alcançaremos as metas de controle dessas doenças, que o Brasil pactuou com a Organização Mundial da Saúde”, salienta o docente.
Estudo colaborativo
Para o estudo, Márcio contou também com a parceria de dois outros pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS), Abelardo Silva-Júnior e Wagnner Porto, além dos seus orientandos Thiago Amorim, do Programa de Pós-graduação em Ensino e Formação de Professores (PPGFOP), também de Arapiraca, e Lucas Andrade, doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCS) da Universidade Federal do Sergipe (UFS). Além de Andrade, outros pesquisadores da mesma instituição e também da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) colaboraram com os trabalhos.
Para o estudante Thiago Amorim, a publicação do artigo no periódico internacional vai trazer grandes benefícios para sua pesquisa e também em sua carreira acadêmica. Ele também fala sobre a importância da participação no grupo de pesquisa e o quanto isso enriquece sua formação.
“Fiquei muito feliz por fazer parte do grupo de pesquisa, pois tive a oportunidade de discutir sobre a temática das IST’s [Infecções Sexualmente Transmissíveis] com pessoas que estão bastante envolvidas na área. A aproximação com o grupo veio a partir do meu projeto de pesquisa que está dentro do escopo do tema, sob orientação do professor Márcio e, com certeza, essa publicação vai beneficiar tanto a minha pesquisa, quanto o Programa em que estou incluído, visto que a revista Nature é um periódico A1 de alcance internacional”, vibra Thiago.
O estudante Lucas Andrade, da UFS, também celebra a publicação dos resultados da pesquisa ao dizer que esse é um momento recompensador e emocionante. “Ver o esforço dedicado da nossa equipe reconhecido em um cenário global acrescentou uma dimensão especial a essa experiência. Esse reconhecimento não apenas valida a excelência do estudo, mas também amplifica significativamente seu impacto, possibilitando que as descobertas alcancem comunidades científicas ao redor do mundo”, classifica.
Para Lucas, a pesquisa contribui de maneira significativa em torno da compreensão das interações entre a covid-19 e o HIV/Aids, o que fortalece ainda mais o papel do trabalho na promoção do conhecimento científico em escala internacional. Ele também destaca a importância de atuar em meio ao grupo de pesquisadores em prol deste estudo.
“Foi extremamente gratificante trabalhar em colaboração com grandes nomes da epidemiologia e contribuir para o desenvolvimento de um estudo inédito que contribui, não apenas para o avanço do conhecimento científico, mas também para embasar ações e políticas de saúde, fornecendo insights valiosos que podem orientar a implementação de estratégias para mitigar os efeitos da covid-19, nos programas de controle do HIV/Aids em todo território nacional”, celebra o estudante.
Já o professor Wagnner Porto, do ICBS, citou que a parceria com o professor Márcio Bezerra possibilitou o uso de ferramentas para a análise de variáveis que influenciam na execução dos programas de controle das doenças estudadas. “Inclusive, pudemos avaliar o impacto da pandemia de covid-19 em algumas endemias, mostrando à comunidade científica esses dados por meio de publicações em periódicos de alto impacto”, complementou o docente.
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