'Besteirol', 'chacota' e 'ridículo': o que dizem ex-ministros da Defesa sobre desfile de tanques com Bolsonaro
Em um momento de crise entre os três Poderes, o plano do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de participar de um desfile com veículos blindados das Forças Armadas na Esplanada dos Ministérios é um movimento extremamente grave e deveria ter uma reação dos setores democráticos, segundo ex-ministros da Defesa ouvidos pela BBC News Brasil.
O desfile deve acontecer nesta terça (10/08), mesmo dia em que a Câmara dos Deputados deve votar, às 16h, a PEC sobre o voto impresso, pela qual Bolsonaro tem feito campanha.
Segundo a Marinha, os veículos blindados - incluindo tanques de guerra e lança-mísseis - vão desfilar pela Esplanada dos Ministérios nesta terça e estacionar em frente ao Palácio do Planalto.
Lá, Bolsonaro vai receber um convite para observar a Operação Formosa, um treinamento militar da Marinha com 2,5 mil militares que será realizado na semana que vem.
Em postagem nas redes sociais na noite de segunda-feira, Jair Bolsonaro minimizou a visita dos militares, afirmando que a Marinha realiza exercícios em Formosa desde 1988 e que, "como a tropa vem do Rio, Brasília é passagem obrigatória".
Citando os presidentes do "STF, Câmara Federal, Senado, TCU, TSE, STJ, TST", além de parlamentares, o presidente convidou as autoridades para receber "os cumprimentos da Força" na manhã de terça-feira.
Para ex-ministros da Defesa ouvidos pela BBC News Brasil, a entrega do convite com presença de tanques é uma tentativa de demonstração de força do presidente.
'Ameaça de golpe'
O diplomata e ex-ministro da Defesa Celso Amorim classificou o plano como "um absurdo total" e uma "ameaça de golpe".
"Para entregar um convite o comandante da Marinha pega o elevador (no Palácio do Planalto) e entrega no 3º andar, acompanhado pelo ministro da Defesa. Não precisa de blindado, nada disso", afirma o ex-ministro, que liderou a pasta da Defesa entre 2011 e 2015, sob o governo da então presidente Dilma Rousseff.
"Em um momento em que o presidente sofre pressões e tem constantemente falado coisas antidemocráticas, a notícia de que ele vai participar de um evento com tanques de guerra na rua é um absurdo total", afirma Amorim.
"Como comparação, no direito internacional uma demonstração de força já é considerada um ato de guerra", diz Amorim.
Bolsonaro participar de um ato com tanques em Brasília em um momento de crise, diz Amorim, é uma movimentação extremamente grave.
"No momento em que vivemos, os gestos teriam que ser todos medidos para não escalar a crise, mas Bolsonaro faz o contrário, faz uma 'demonstração de força' com tanques na rua. Não permite outra leitura que não uma ameaça de golpe. É lamentável", diz o ex-ministro.
Amorim diz que espera que o evento não influencie na votação da PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados.
"Espero que a Câmara reaja, não aprovando a proposta. Mas eu fico muito preocupado. Não é fácil os deputados se comportarem de maneira autônoma com tanques do lado de fora", afirma.
Em nota publicada na noite de segunda-feira (9/8), a Marinha afirmou que a "entrega simbólica" do convite "foi planejada antes da agenda para a votação da PEC 135/2019 no Plenário da Câmara dos Deputados, não possuindo relação com a mesma".
Falta de reação
Para Amorim, um evento como o desta terça não significa necessariamente que Bolsonaro tenha maioria entre os militares para um eventual golpe, mas basta que os que não concordam não reajam para que um golpe se concretize.
"Basta que as milícias e a polícias se mobilizem para um golpe e o Exército e a Marinha não façam nada. Pode ser que ele não tenha maioria, mas se a maioria não fizer nada... ", afirma Amorim. "Tenho citado muito aquela frase de Edmund Burke: 'para que o mal prevaleça, basta que os homens de bem não façam nada'."
O diplomata afirma ainda que o evento desta terça se torna ainda mais grave diante do fato de que Clubes Militares fizeram manifestações a favor do voto impresso em 2022.
"Os clubes podem pensar o que quiserem, mas era preciso uma manifestação das Forças Armadas, dizendo que militar não tem que se posicionar sobre esse tipo de coisa", afirma.
"Bolsonaro trata os outros poderes como inimigos e as Forças Armadas como um monarca absoluto, ele fala 'meu exército', e (ao não responder) eles estão aceitando esse tratamento", diz Amorim. "Justo as nossas Forças Armadas, que sempre procuraram dizer que são instituições de Estado, agora não estão falando isso."
Efeito desastroso
Ministro da Defesa durante o governo de Michel Temer, Raul Jungmann afirma que o efeito do desfile de blindados será "desastroso", embora não acredite que ele vá interferir na votação da PEC do voto impresso na Câmara.
"O efeito é desastroso, porque se dá em um momento em que o presidente da República vem constrangendo e ameaçando os outros Poderes, particularmente o Supremo Tribunal Federal. Isso vai ser lido tanto internamente quanto externamente como uma demonstração de força", diz Jungmann, que, no entanto, diz que tal demonstração será "inócua".
"Não terá efeito prático nenhum, muito pelo contrário, na votação (da PEC do voto impresso). É inadequado, uma demonstração de força inócua, vazia e que só vai piorar a nossa imagem externamente e agravar as tensões internamente", diz.
Para Jungmann, com o desfile, Bolsonaro quer "criar a ilusão" de que tem as Forças Armadas do seu lado. "(Mas) as Forças Armadas estão do lado da Constituição e de forma alguma estão disponíveis a alguma aventura autoritária ou antidemocrática", avalia.
O ex-ministro ressalta que a Operação Formosa, evento para o qual o presidente será convidado durante o desfile desta terça, é um treinamento que ocorre há bastante tempo, mas sempre de forma fechada ao público.
Jungmann diz que o envio de blindados para levar "um simples convite" ao presidente vai acabar voltando mais atenção ao próprio exercício militar, que tem início no dia 16 de agosto.
'Besteirol'
Já o ex-ministro da Defesa Jaques Wagner (que ocupou o cargo em 2015 durante o governo Dilma) afirma que a participação de Bolsonaro em um ato com tanques é uma tentativa de controlar o noticiário.
"Acho que a imprensa deveria dar menos importância ao besteirol que esse senhor promove para se manter no noticiário", afirmou Wagner, em nota.
"É ridículo o que ele está fazendo. Deveria virar chacota. Na minha opinião, é melhor ignorá-lo", disse o ex-ministro.