Nova decisão do TJ-RJ manda recolher livros com temática LGBT

Por G1 RJ 07/09/2019 17h05 - Atualizado em 07/09/2019 20h08
Por G1 RJ 07/09/2019 17h05 Atualizado em 07/09/2019 20h08
Nova decisão do TJ-RJ manda recolher livros com temática LGBT
Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo
Uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, assinada pelo presidente do tribunal, desembargador Cláudio de Mello Tavares, manda recolher as obras da Bienal que tratem de temática LGBT voltadas para o público jovem e infantil, que não estejam com embalagem lacrada e com advertência para o conteúdo, sob pena de apreensão dos livros e cassação de licença.

O desembargador afirma que a decisão não traz "impedimento ou embaraço à liberdade de expressão, porquanto, em se tratando de obra de super-heróis, atrativa ao público infanto-juvenil, que aborda o tema da homossexualidade, é mister que os pais sejam devidamente alertados, com a finalidade de acessarem previamente informações a respeito do teor das publicações disponíveis no livre comércio, antes de decidirem se aquele texto se adequa ou não à sua visão de como educar seus filhos".

A decisão atende a recurso da Prefeitura, e suspende uma liminar obtida pela organização da Bienal 2019, que impedia as autoridades municipais de buscar e apreender obras em função de seu conteúdo, "notadamente" aquelas que tratam de conteúdo LGBT.

Na quinta-feira, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, pediu para recolher exemplares do romance gráfico "Vingadores, a cruzada das crianças" (Salvat), que tem a imagem de um beijo entre dois personagens masculinos. Os livros eram vendidos lacrados, e a capa não tem nenhuma imagem de conteúdo erótico.

A Bienal do Livro Rio informou que vai recorrer da decisão do presidente do Tribunal de Justiça do Rio no Supremo Tribunal Federal (STF), "a fim de garantir o pleno funcionamento do evento e o direito dos expositores de comercializar obras literárias sobre as mais diversas temáticas – como prevê a legislação brasileira."

"Consagrada como o maior evento literário do país, a Bienal do Livro reafirma a manutenção da programação para o fim de semana, dando voz a todos os públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser. Este é um festival plural, onde todos são bem-vindos e estão representados. Autores, artistas, pensadores e acadêmicos do Brasil e exterior têm participado de inúmeros painéis sobre os mais variados temas, como fé, fake News, felicidade, ciências, maternidade, teatro, literatura trans, LGBTQA+ e muito mais. Além de todo um pavilhão dedicado às crianças, com contação de histórias, lançamento de livros e espetáculos circenses", escreveu a organização da feira.

"Vingadores, a cruzada das crianças" tem autoria de Allan Heinberg e Jim Cheng. A obra aborda a equipe dos Jovens Vingadores. Dela, fazem parte os personagens Wiccano e Hulkling, que são namorados. A edição que estava na Bienal data de 2016 e estava sendo oferecida em "saldões" do evento.

Após Crivella ter determinado o recolhimento dos livros, a Prefeitura citou cumprimento do Estatuto da Infância e do Adolescente (ECA) e ameaçou cassar a licença da Bienal.

"Livros assim precisam estar em um plástico preto, lacrado, avisando o conteúdo", disse o prefeito em vídeo nas redes sociais.

O ECA, porém, não menciona a homossexualidade como indicativo de que uma obra deva ser considerada imprópria.

De acordo com o inciso quatro, artigo 5º, da Constituição Federal, "é livre a manifestação do pensamento". E segundo o inciso 9, do mesmo artigo, é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-RJ, afirmou: "A prefeitura não tem o poder de busca e apreensão. Este poder é, estritamente, do Judiciário. Desde 2011, a família homoafetiva é reconhecida. Nós sabemos disso, foi amplamente divulgado. Em 2019, a homofobia tornou-se crime, equiparado ao racismo".

Livros estavam lacrados, segundo a Bienal
A Bienal informou que os exemplares de "Vingadores, a cruzada das crianças" já estavam lacrados, como todos os livros de edição especial que vêm embalados em plástico transparente. Eles não ficam abertos para que o público possa "folhear".