Alagoas registrou mais de 400 casos de desaparecimentos somente em 2017
Cleciane Pereira da Silva, de apenas 10 anos; Allan Teófilo Bandeira, 28 anos; Alysson Rodrigo Santos da Silva, 29 anos. O que estas pessoas têm em comum? Todas desapareceram e os casos ainda não foram completamente elucidados pela polícia. Eles representam outras tantas parcelas de desaparecimentos que, ou não são registrados, ou não foram tornados públicos.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, somente em 2017 a polícia registrou 402 ocorrências de desaparecimentos em Alagoas. EM 2016 foram 363 casos e em 2015 a polícia registrou 305. Não há informação sobre a quantidade de casos elucidados.
A complexidade das investigações que envolvem casos de desaparecimentos, o excesso de trabalhos demandados aos delegados e a pouca estrutura física das delegacias acarretam em morosidade na elucidação. Quanto mais o tempo passa, mais difícil é para a situação ser esclarecida, o que também aumenta o sofrimento dos familiares.
Um dos casos que ganhou notoriedade em todo estado foi da menina de apenas 10 anos, moradora de Igaci, Cleciane Pereira. A menina está desaparecida há seis meses e, até o momento, não há pistas de sua localização. A denúncia do desaparecimento foi realizada pela mãe da menina, Cledja Pereira da Silva, 30 anos, no dia 04 de junho de 2017.
Cleciane foi vista pela última vez na porta de casa. Segundo a mãe, na manhã do mesmo dia, a menina pedia insistentemente para visitar os avós em um sítio, localizado na zona rural da cidade. Sem dinheiro para pagar as passagens, a mãe proibiu que Cleciane fosse e ordenou que a filha entrasse em casa e fechasse o portão.
A mãe conta que entrou para dar banho em um de seus filhos e depois trocar as fraldas de outro. Levou um tempo para que notasse o silêncio da casa e a ausência de Cleciane. Como a filha costumava brincar na vizinhança, ela diz que buscou nas casas dos vizinhos saber do paradeiro da menina. Mas ninguém sabia informar onde ela estava. Foi quando Cledja se lembrou que a filha havia ficado emburrada por não tê-la deixado ir ao sítio dos avós.
Fazendo o percurso até o sítio junto com o esposo, padrasto de Cleciane, Cledja conta que não encontrou nenhum vestígio da menina e que ela nunca esteve no local naquele dia.
"Estou desesperada. Há seis meses que vivo nessa angústia", diz. Segundo Cledja, um registro de Boletim de Ocorrência foi feito e, depois de 24 horas, a polícia começou a fazer buscas em Igaci e nas cidades vizinhas. A polícia também conversou com vizinhos para saber se tinham visto a menina. Cartazes foram colocados na região do Agreste e uma grande mobilização foi feita nas redes sociais. Seis meses depois, não há vestígio algum de Cleciane.
Cleciane faz 11 anos no dia 3 de janeiro. A mãe afirma que o último contato com a polícia para saber sobre o caso da família foi feito há dois meses. Até o momento, a situação está nas mãos do delegado Gustavo Xavier, em Arapiraca.
De acordo com o delegado Gustavo Xavier, a Polícia Civil aguarda informações das operadoras de telefonia móvel para colher dados de alguém, que possivelmente tenha feito ligações naquele dia. No entanto, ele não falou se os dados aguardados são de uma pessoa especificamente.
"A gente aguarda os dados das operadoras de telefones, porque também trabalhamos com monitoramento, para saber se alguém esteve com ela naquele momento. Por depoimentos, não conseguimos nada de relevante", afirma o delegado. Ele não deu prazo de quando esses dados serão disponibilizados. Informou apenas que, se não conseguir encontrar vestígios desta forma, o inquérito não se encerra. "A gente não sabe se ela está morta. Se não conseguirmos, a gente tenta de outra forma", complementa.
Outro caso ainda sem solução é o do jovem Allan Teófilo. O jovem saiu de casa no dia 23 de novembro para jogar futebol com uns amigos em Satuba. Câmeras de videomonitoramento dos estabelecimentos comerciais da cidade mostram que o jovem chegou a ir e a sair da cidade naquela noite.
O percurso registrado por meio de rastreamento do Gmail de seu celular mostra que Allan saiu da cidade, pegou uma estrada à esquerda, e logo após, em vez de pegar outra estrada à direita, ele passou direto em alta velocidade, "como se tivesse fugindo", conta o pai. Após isso, ele andou em alta velocidade por mais um minuto, parando em seguida, por três minutos. Depois desse tempo, seguiu em direção a uma linha de trem, e a partir deste momento, o celular parou de funcionar.
"Acredito que alguém alcançou ele nesse trajeto e, ao parar na linha do trem, o alcançaram. Creio que entraram no carro e tiraram a bateria do celular", conta a família. Allan estava em um veículo Picanto, de placa NMJ 6631.
O jovem tem 1,90 metro de altura e possui duas tatuagens no corpo: uma tribal com o nome do avô na perna e a outra com seu nome nas costas: Allan T. Bandeira. A Delegacia-Geral da Polícia Civil designou uma comissão de três delegados para a investigação: Thiago Prado, Fábio Costa e Rodrigo Sarmento.
Comissão de Direitos Humanos da OAB ajuda famílias de desaparecidos
Somente este ano, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB-AL) acompanha cinco casos de desaparecimentos no estado, dentre eles, casos de grande repercussão, como o do Allan. Segundo o presidente da comissão, Ricardo Moraes, até o momento da entrevista, nenhum deles foi elucidado.
De acordo com ele, muitos dos casos que chegam à OAB resultam em crimes, mas quando se fala em sumiço de alguém, inicialmente não se pode falar em ato criminoso.
"Até que se ache o corpo ou alguma materialidade, não podemos dizer que houve homicídio, por exemplo. Enquanto isso, fica a aflição da família, que quando tem uma possibilidade ou capacidade econômica maior ou até mesmo influência política, consegue uma pressão maior, e o estado, em alguns casos, consegue a elucidação", diz o presidente.
Quando a OAB recebe uma denúncia, o acompanhamento depende do respaldo de informações dado pela família, para que haja uma sustentação e assim possa cobrar das autoridades celeridade na investigação. A vida do desaparecido passa, então, a ser averiguada: seus relacionamentos, sua conduta, seus antecedentes. Ricardo Moraes explica que quando o desaparecido não possui ficha criminal, elucidar esses casos se torna mais difícil.
"Se ela já teve algum envolvimento com algum tipo de crime, abre-se várias linhas, mas quando não há, tudo fica mais complicado".
Sindepol fala em falta de estrutura e pessoal nas delegacias
Questionado a que se devem as faltas de elucidações dos desaparecimentos no estado de Alagoas, o presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Civil (Sindepol), José Carlos, elenca dois motivos para essa situação: a ausência de linha de investigação, característica dos desaparecimentos, e a falta de estrutura física e pessoal nas delegacias.
"Quando uma pessoa desaparece, geralmente não se apresentam causas. Pode ser homicídio, mas pode ser um acidente, pode ser até proposital. O sumiço em si é difícil de elucidar. Quando se tem um celular, por exemplo, verifica-se o aparelho, quando existem ligações, facilita, mas quando não tem materialidade, complica", explica o presidente do sindicato.
Por outro lado, o presidente enfatizou que uma das maiores dificuldades na investigação é a falta de estrutura e de delegados e agentes nas delegacias. "A Polícia Civil está extremamente sobrecarregada. Não tem estrutura para esses casos", declara José Carlos. Ele afirma que há falta de equipamentos e tecnologia que poderiam ajudar nos esclarecimentos.
Segundo o Sindepol, a Polícia Civil trabalha no estado com apenas 38% de todo o pessoal necessário para atender às demandas do estado, que seriam de 4.100 servidores, dentre delegados e agentes. "A gente tem cobrado do governo a convocação da reserva técnica. Estamos trabalhando com um efetivo estipulado há mais de 25 anos, mas o número de demandas aumentou com o tempo", diz o presidente.
"Com essa estrutura, a polícia acaba sendo taxada de ineficiente, o que não é verdade", declara. Ele defende a criação de uma delegacia especializada para cobrir casos de desaparecimentos, no entanto, ele atenta, que se construída, não há pessoal para se trabalhar nela.
"O que acontece é que os delegados que pegam investigações de desaparecimentos já estão em outras investigações de roubo, de homicídio de suas respectivas delegacias, por isso, eles ficam em uma situação difícil", afirma o presidente do sindicato.
Desaparecimentos no Brasil
Entre 2007 e 2016, foram registrados 693.076 boletins de ocorrência por desaparecimentos em todo o Brasil. São 190 desaparecidos por dia na última década, o que equivale a oito por hora. Em 2016, foram registrados 71.796 casos. As estatísticas são inéditas e foram levantadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a pedido do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, somente em 2017 a polícia registrou 402 ocorrências de desaparecimentos em Alagoas. EM 2016 foram 363 casos e em 2015 a polícia registrou 305. Não há informação sobre a quantidade de casos elucidados.
A complexidade das investigações que envolvem casos de desaparecimentos, o excesso de trabalhos demandados aos delegados e a pouca estrutura física das delegacias acarretam em morosidade na elucidação. Quanto mais o tempo passa, mais difícil é para a situação ser esclarecida, o que também aumenta o sofrimento dos familiares.
Um dos casos que ganhou notoriedade em todo estado foi da menina de apenas 10 anos, moradora de Igaci, Cleciane Pereira. A menina está desaparecida há seis meses e, até o momento, não há pistas de sua localização. A denúncia do desaparecimento foi realizada pela mãe da menina, Cledja Pereira da Silva, 30 anos, no dia 04 de junho de 2017.
Cleciane foi vista pela última vez na porta de casa. Segundo a mãe, na manhã do mesmo dia, a menina pedia insistentemente para visitar os avós em um sítio, localizado na zona rural da cidade. Sem dinheiro para pagar as passagens, a mãe proibiu que Cleciane fosse e ordenou que a filha entrasse em casa e fechasse o portão.
A mãe conta que entrou para dar banho em um de seus filhos e depois trocar as fraldas de outro. Levou um tempo para que notasse o silêncio da casa e a ausência de Cleciane. Como a filha costumava brincar na vizinhança, ela diz que buscou nas casas dos vizinhos saber do paradeiro da menina. Mas ninguém sabia informar onde ela estava. Foi quando Cledja se lembrou que a filha havia ficado emburrada por não tê-la deixado ir ao sítio dos avós.
Fazendo o percurso até o sítio junto com o esposo, padrasto de Cleciane, Cledja conta que não encontrou nenhum vestígio da menina e que ela nunca esteve no local naquele dia.
"Estou desesperada. Há seis meses que vivo nessa angústia", diz. Segundo Cledja, um registro de Boletim de Ocorrência foi feito e, depois de 24 horas, a polícia começou a fazer buscas em Igaci e nas cidades vizinhas. A polícia também conversou com vizinhos para saber se tinham visto a menina. Cartazes foram colocados na região do Agreste e uma grande mobilização foi feita nas redes sociais. Seis meses depois, não há vestígio algum de Cleciane.
Cleciane faz 11 anos no dia 3 de janeiro. A mãe afirma que o último contato com a polícia para saber sobre o caso da família foi feito há dois meses. Até o momento, a situação está nas mãos do delegado Gustavo Xavier, em Arapiraca.
De acordo com o delegado Gustavo Xavier, a Polícia Civil aguarda informações das operadoras de telefonia móvel para colher dados de alguém, que possivelmente tenha feito ligações naquele dia. No entanto, ele não falou se os dados aguardados são de uma pessoa especificamente.
"A gente aguarda os dados das operadoras de telefones, porque também trabalhamos com monitoramento, para saber se alguém esteve com ela naquele momento. Por depoimentos, não conseguimos nada de relevante", afirma o delegado. Ele não deu prazo de quando esses dados serão disponibilizados. Informou apenas que, se não conseguir encontrar vestígios desta forma, o inquérito não se encerra. "A gente não sabe se ela está morta. Se não conseguirmos, a gente tenta de outra forma", complementa.
Outro caso ainda sem solução é o do jovem Allan Teófilo. O jovem saiu de casa no dia 23 de novembro para jogar futebol com uns amigos em Satuba. Câmeras de videomonitoramento dos estabelecimentos comerciais da cidade mostram que o jovem chegou a ir e a sair da cidade naquela noite.
O percurso registrado por meio de rastreamento do Gmail de seu celular mostra que Allan saiu da cidade, pegou uma estrada à esquerda, e logo após, em vez de pegar outra estrada à direita, ele passou direto em alta velocidade, "como se tivesse fugindo", conta o pai. Após isso, ele andou em alta velocidade por mais um minuto, parando em seguida, por três minutos. Depois desse tempo, seguiu em direção a uma linha de trem, e a partir deste momento, o celular parou de funcionar.
"Acredito que alguém alcançou ele nesse trajeto e, ao parar na linha do trem, o alcançaram. Creio que entraram no carro e tiraram a bateria do celular", conta a família. Allan estava em um veículo Picanto, de placa NMJ 6631.
O jovem tem 1,90 metro de altura e possui duas tatuagens no corpo: uma tribal com o nome do avô na perna e a outra com seu nome nas costas: Allan T. Bandeira. A Delegacia-Geral da Polícia Civil designou uma comissão de três delegados para a investigação: Thiago Prado, Fábio Costa e Rodrigo Sarmento.
Comissão de Direitos Humanos da OAB ajuda famílias de desaparecidos
Somente este ano, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB-AL) acompanha cinco casos de desaparecimentos no estado, dentre eles, casos de grande repercussão, como o do Allan. Segundo o presidente da comissão, Ricardo Moraes, até o momento da entrevista, nenhum deles foi elucidado.
De acordo com ele, muitos dos casos que chegam à OAB resultam em crimes, mas quando se fala em sumiço de alguém, inicialmente não se pode falar em ato criminoso.
"Até que se ache o corpo ou alguma materialidade, não podemos dizer que houve homicídio, por exemplo. Enquanto isso, fica a aflição da família, que quando tem uma possibilidade ou capacidade econômica maior ou até mesmo influência política, consegue uma pressão maior, e o estado, em alguns casos, consegue a elucidação", diz o presidente.
Quando a OAB recebe uma denúncia, o acompanhamento depende do respaldo de informações dado pela família, para que haja uma sustentação e assim possa cobrar das autoridades celeridade na investigação. A vida do desaparecido passa, então, a ser averiguada: seus relacionamentos, sua conduta, seus antecedentes. Ricardo Moraes explica que quando o desaparecido não possui ficha criminal, elucidar esses casos se torna mais difícil.
"Se ela já teve algum envolvimento com algum tipo de crime, abre-se várias linhas, mas quando não há, tudo fica mais complicado".
Sindepol fala em falta de estrutura e pessoal nas delegacias
Questionado a que se devem as faltas de elucidações dos desaparecimentos no estado de Alagoas, o presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Civil (Sindepol), José Carlos, elenca dois motivos para essa situação: a ausência de linha de investigação, característica dos desaparecimentos, e a falta de estrutura física e pessoal nas delegacias.
"Quando uma pessoa desaparece, geralmente não se apresentam causas. Pode ser homicídio, mas pode ser um acidente, pode ser até proposital. O sumiço em si é difícil de elucidar. Quando se tem um celular, por exemplo, verifica-se o aparelho, quando existem ligações, facilita, mas quando não tem materialidade, complica", explica o presidente do sindicato.
Por outro lado, o presidente enfatizou que uma das maiores dificuldades na investigação é a falta de estrutura e de delegados e agentes nas delegacias. "A Polícia Civil está extremamente sobrecarregada. Não tem estrutura para esses casos", declara José Carlos. Ele afirma que há falta de equipamentos e tecnologia que poderiam ajudar nos esclarecimentos.
Segundo o Sindepol, a Polícia Civil trabalha no estado com apenas 38% de todo o pessoal necessário para atender às demandas do estado, que seriam de 4.100 servidores, dentre delegados e agentes. "A gente tem cobrado do governo a convocação da reserva técnica. Estamos trabalhando com um efetivo estipulado há mais de 25 anos, mas o número de demandas aumentou com o tempo", diz o presidente.
"Com essa estrutura, a polícia acaba sendo taxada de ineficiente, o que não é verdade", declara. Ele defende a criação de uma delegacia especializada para cobrir casos de desaparecimentos, no entanto, ele atenta, que se construída, não há pessoal para se trabalhar nela.
"O que acontece é que os delegados que pegam investigações de desaparecimentos já estão em outras investigações de roubo, de homicídio de suas respectivas delegacias, por isso, eles ficam em uma situação difícil", afirma o presidente do sindicato.
Desaparecimentos no Brasil
Entre 2007 e 2016, foram registrados 693.076 boletins de ocorrência por desaparecimentos em todo o Brasil. São 190 desaparecidos por dia na última década, o que equivale a oito por hora. Em 2016, foram registrados 71.796 casos. As estatísticas são inéditas e foram levantadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a pedido do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
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