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A bipolaridade, dois assassinatos e um suicídio
Antes da leitura do texto veja a notícia no site: http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/brasil/2014/09/16/rapaz-mata-duas-irmas-e-depois-comete-suicidio-em-maceio-al.htm
O texto de hoje é reflexo de uma postagem no facebook que rendeu alguns comentários e muitas perguntas tanto na rede quanto pessoalmente. Vou copiá-lo aqui na integra:
“Desde ontem estamos consternados com essa tragédia: um indivíduo mata suas irmãs a facadas e logo em seguida se suicida. É triste? Sim! É comovente? Muito! É revoltante? Também! Vou dizer que isso é um sinal do fim dos tempos? Não, não vou dizer! Vou dizer que forças ocultas e malignas estão dominando a humanidade? Também não, não vou dizer! Vou dizer que é a ausência de amor no coração das pessoas? Tão pouco! Ou seria Deus o responsável? Menos ainda! Mas alguns disseram: "ele era bipolar, coitado". Agora eu vos digo: os chamados transtornos mentais não explicam o comportamento. O transtorno afetivo bipolar não deve ser visto como a explicação para o crime, pois para explicar qualquer comportamento devemos atentar para a história adaptativa da espécie, as aprendizagens do indivíduo ao longo de sua história de vida e a cultura na qual ele está inserido. Nossos comportamentos por mais estranhos e absurdos que possam parecer são resultado desses três determinantes, não de doenças mentais, forças malignas, ira dos deuses e por ai vai... No mais, só me resta desejar que o tempo possa trazer um pouco de alento e acalanto ao que sobrou do coração dessa família”
Essa postagem foi uma resposta as pessoas que diante da tragédia buscavam explicações causais que embora sejam muito comuns são também equivocadas. Vamos as perguntas que foram mais freqüentes:
1) Como assim? Transtornos mentais não existem?
Sim, eles existem. Mas não da forma como você está acostumado a pensar. Por exemplo: quando dizemos que alguém tem ou é depressivo estamos descrevendo com a nomenclatura “depressão” alguns comportamentos presentes no repertório desse indivíduo, tais como: dorme demais, come de menos, chora, possui pensamentos de conteúdo negativo, baixo interesse sexual... Nomeamos de depressivo um indivíduo que apresenta esse e entre outros comportamentos, ou seja, doença mental é um conjunto de comportamentos sob o rótulo de um transtorno.
2) Transtorno mental influencia o comportamento?
As chamadas doenças mentais e comportamento não são fenômenos distintos. Como já vimos transtorno mental é um conjunto de comportamentos presentes no repertório do indivíduo. Veja que não há a bactéria da esquizofrenia ou o vírus da depressão. O que existem são comportamentos visíveis ou não caracterizados como pertencentes a um determinado transtorno. Nesse sentido, a doença mental não influencia ou explica o comportamento por que ela também é comportamento. Ela não é o agente causador ou explicativo para ele.
3) E o cérebro? Ele influencia o nosso comportamento?
Sim, ele influencia. Não há dúvidas da importância do cérebro para o funcionamento do organismo. Ele é indubitavelmente essencial para a existência de vida em seres evolutivamente complexos. Há de fato regiões cerebrais e substâncias nele produzidas que influenciam nossa maneira de agir. No entanto, o cérebro sozinho não determina nosso comportamento. Ele é parte de um organismo e, por isso, constitui-se também como parte desse processo.
4) E o que causa o comportamento então?
Veja a seguinte afirmação: “Marta está chorando por que está triste”. É uma afirmação correta? Se você está atento até aqui deve ter respondido que não. Por que está chorando? Por que está triste! E por que está triste? Por que está chorando! Percebam que há uma relação cíclica, uma tautologia, nessas afirmações que não nos explicam quais as reais razões que fazem Marta chorar. Ela pode ter perdido o emprego, ter brigado com o namorado, estar com dor de dente... Essas sim são algumas das variáveis importantes se quisermos explicar o comportamento de Marta. Dessa maneira, sentimentos, pensamentos, doenças mentais não devem ser usados em explicações causais de nossos comportamentos.
O organismo (Marta) está respondendo a contingências presentes em seu ambiente. Brigas com o namorado (antecedente), chorar (comportamento), fim das brigas (conseqüência). Ela modifica o ambiente com seu comportamento e por ele é modificado. Basicamente a maior parte de nossos comportamentos obedecem ao mesmo esquema. São essas conseqüências que mantêm ou extinguem nossos comportamentos. Vamos a mais um exemplo: você vai atravessar a rua (antecedente), em algum momento você estende a mão para que os carros parem (comportamento), os carros param e você chega a seu destino (conseqüência). Em outra situação semelhante provavelmente você também estenderá a mão para os carros pararem, pois seu comportamento foi anteriormente reforçado. Assim vimos que você aprendeu a se comportar dessa maneira diante uma situação específica. Esse é o primeiro ponto. As aprendizagens (ontogêneses) que se sucedem ao longo de nossa história de vida é o primeiro viés abordado aqui para a explicação causal de nossos comportamentos. Assim, nós aprendemos a nos comportar da maneira que nos comportamos diante de ambientes, situações e pessoas específicas.
Nós, seres humanos, possuímos características genéticas comuns a nossa espécie (filogênese). Em um processo de constantes adaptações ao meio, as espécies lentamente vão se modificando. Se hoje andamos sobre duas patas, por exemplo, é por que ao longo de milhares de anos nossos ancestrais foram de adaptando as modificações acontecidas em seus ambientes para até que hoje possamos nos equilibrar facilmente sobre elas. Esse é o segundo ponto. A filogênese é o determinante biológico que possibilita que o comportamento aconteça.
Façamos o seguinte exercício hipotético: suponhamos que no mundo existam dois indivíduos geneticamente idênticos. Agora vamos pensar que esses dois indivíduos ao longo de suas vidas tenham estabelecido com o ambiente exatamente as mesmas aprendizagens. Mesmo que a filogênese e ontogênese desses dois indivíduos sejam exatamente iguais ainda assim eles se comportariam de maneiras diferentes, pois há ainda um terceiro determinante nesse processo: a cultura. Ela é o conjunto de práticas comuns a uma sociedade. Por exemplo: os hábitos alimentares, o modo de vestir, o padrão de beleza, o idioma, a forma de governo, dentre outros; são fenômenos culturais semelhantes ou iguais entre indivíduos de uma mesma sociedade.
Dessa maneira, esses três níveis atuando juntos é que vão selecionar e determinar nossos comportamentos. Assim, para explicar o comportamento devemos recorrer as aprendizagens (ontogêneses) de cada indivíduo ao longo de sua história de vida, a característica genética de sua espécie (filogênese) e as práticas culturais (cultura) da sociedade na qual ele está inserido.
Não quero com o texto apontar culpados ou criminalizar ninguém. Mas temos que ficar atentos sempre que quisermos inferir explicações causais aos comportamentos de alguém. Se de fato o irmão cometeu o ato, não foi o transtorno bipolar o responsável. Sua ontogênese, sua filogênese e sua cultura explicam.
ALDINUCCI, Bruna de Amorim Sanches (2011). A Psicopatologia sob a ótica da Análise do Comportamento: aspectos teóricos e clínicos.
DE ROSE, Júlio Cesar (2001). O que é comportamento?.
Jacinto Pereira de Araújo Neto
Psicólogo Clínico Comportamental
CRP: 15 3274
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O Além da Caixa é um espaço para a discussão dos mais diversificados temas sob a ótica da psicologia do comportamento. De maneira direta e com uma linguagem clara falaremos ao público em geral, mas sem destoar dos princípios da Psicologia Científica.
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