Famílias limpam ossos de parentes falecidos antes do Dia dos Mortos no México; conheça a tradição

Por Redação com O Globo 23/10/2025 09h09
Por Redação com O Globo 23/10/2025 09h09
Famílias limpam ossos de parentes falecidos antes do Dia dos Mortos no México; conheça a tradição
Famílias limpam ossos de parentes falecidos antes do Dia dos Mortos no México; entenda a tradição - Foto: AFP

Sob o sol escaldante do sudeste do México, María Couoh sacode a poeira do crânio de seu falecido tio Tomás, perpetuando a tradição ancestral de limpar os ossos dos entes queridos antes do Dia dos Mortos, uma das principais festas do país.

No final de sua vida, Tomás perdeu as celebrações familiares devido à cegueira, lembra sorridente a dona de casa de 62 anos — Você não pode ir à festa, tio, mas aqui está uma cerveja para você — costumava dizer sua sobrinha.

O ritual de limpeza, que combina elementos maias e da religião católica, é característico de Pomuch, um povoado de apenas 9.600 habitantes no estado de Campeche. O cemitério local agora também recebe turistas e criadores de conteúdo com drones, atraídos por essa tradição peculiar.

"Assim como a gente toma banho (...), os santos restos" requerem limpeza antes da tradicional celebração de 1º e 2 de novembro, explica Couoh. São lembranças sagradas.

Nessas datas, os mexicanos visitam seus entes queridos no cemitério e colocam oferendas em suas casas, sobre altares coloridos, com fotos de familiares falecidos e alimentos que eles mais gostavam em vida.

Após limpar o crânio de Tomás, María o coloca junto com outros ossos sobre um pano branco, que repousa em uma caixa de madeira. A mulher soluça ao lembrar que seu tio não teve filhos, por isso ela se encarrega de limpar seus restos para que não "fiquem muito sujos".

No total, María limpa todos os anos os restos de cerca de dez parentes.

'Os outros estão limpos e você não'

O ritual em Pomuch começa como qualquer enterro. As famílias colocam os corpos de seus falecidos em um caixão que depois é introduzido em um nicho.

Cerca de três anos após o falecimento, quando a matéria orgânica se decompõe, eles quebram a laje frontal da câmara, retiram o caixão e limpam os ossos para depositá-los em uma pequena caixa de madeira.

Os ossos são cobertos com um pano branco que simboliza a roupa das almas e que é trocado a cada ano durante a limpeza. Depois, as caixas são guardadas novamente nos nichos.

Falar com os mortos durante a limpeza é essencial.

Carmita Reyes, dona de casa de 39 anos, pede desculpas à sogra por não tê-la limpado no ano anterior.

— Assim você não vai mais sofrer porque os outros estão limpos e você não — diz agachada, enquanto passa um pincel sobre o osso de uma perna.

Herança ancestral

Carmita está acompanhada por outros seis membros da família, entre eles sua filha de oito anos e seu sogro de 83.

A mulher quer que a filha aprenda o ritual e, no futuro, o realize com ela — Não quero que me cremem, quero que me enterrem assim e que tirem meus ossinhos — diz enquanto a menina corre entre os nichos e o sogro bebe cerveja.

— É uma tradição que nossos pais nos ensinaram — acrescenta — Sentimos como se (os mortos) estivessem aqui.

Para crianças, porém, nem sempre é fácil conviver com os restos dos parentes. É o caso da família May.

Lucía May, de quatro anos, hesita ao observar os crânios nas caixas de madeira, alguns ainda com cabelo. A menina grita e corre assustada de volta à rua principal do povoado, chamada Calçada dos Mortos, onde seu pai David a abraça.

— É a primeira vez que ela vem, ficou um pouco impressionada, mas estamos tentando fazer com que ela se familiarize com nossos costumes — explica David, professor de 40 anos, natural de Pomuch.

Após deixar uma oferenda floral ao bisavô, cujos restos ainda não foram exumados, Lucía descansa nos braços do pai. A menina diz que os mortos "podem reviver à noite", mas suspira aliviada ao saber que ainda é meio-dia.