Militar do 3º BPM de Arapiraca dá cores aos sentimentos por meio da pintura

Por Redação com assessoria 17/10/2025 09h09
Por Redação com assessoria 17/10/2025 09h09
Militar do 3º BPM de Arapiraca dá cores aos sentimentos por meio da pintura
SGT Vieira - Foto: Reprodução

Um quadro em branco, cercado por um conjunto de tons que apresentam uma infinidade de combinações, nem sempre harmoniosas, mas necessárias para desenhar nossas histórias. A vida da sargento Idlane Vieira é assim: com coragem e criatividade, ela transformou sua vida em arte por meio da pintura em quadros e murais. Entre traços e rasuras, a pernambucana de 46 anos veio a Alagoas ainda criança, com o sonho de mudar a realidade da família, e encontrou nos pincéis uma maneira de eternizar os aprendizados que viveu.

Com 20 anos de serviços prestados à corporação e um universo de paisagens retratadas em painéis, a militar lotada no 3º Batalhão é a segunda personagem da série de reportagens “Além da Farda”, que conta a história de policiais que se dedicam a atividades culturais e hobbies, mostrando um lado pouco conhecido pela sociedade.

O que há além do mar?

Vinda de uma família humilde de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, Idlane dividiu a infância com os pais e três irmãos. Na parede da sala onde morava, uma paisagem de praia inacabada, desenhada pelo pai, acendeu nela o amor pela pintura que a acompanha até hoje. O destino não permitiu o acabamento daquela imagem, mas impulsionou a militar a explorar novos cenários em terras alagoanas.

“Meu pai sempre foi um incentivador da arte para mim e meus irmãos. Eu achava aquela pintura na sala belíssima, mesmo que inacabada. Infelizmente, naquele momento precisávamos vender a casa para tentar outras oportunidades em Alagoas. Embora aquele desenho não tenha sido concluído, ele foi o ponto de partida de uma história que me proporcionou outras paisagens, tão lindas quanto aquele mar”, relembrou a artista.

A realidade em Maceió não começou fácil, mas Idlane não perdeu a fé em encontrar um caminho que lhe proporcionasse uma vida menos dura. Antes de ser policial, ela teve experiência no magistério. A então estudante de Geografia e professora da educação infantil enfrentava uma rotina cansativa e com baixa valorização salarial. Foi no trajeto do ônibus que percorria diariamente onde recebeu o que considera um sinal divino para mudar a rota mais uma vez.

“Um dia, eu estava voltando da Ufal, conversando com Deus sobre o cansaço e os rumos que a minha vida estava tomando. Foi então que, ao olhar para o chão, encontrei um símbolo da Polícia Militar. Ali, eu entendi perfeitamente o que o universo queria me dizer. Desde então, guardei esse desenho na Bíblia e usei como amuleto para alcançar a aprovação no concurso e me tornar PM”, recordou emocionada.

Na natureza, o encontro entre missão e inspiração

Desde a formação, a sargento passou por diversas unidades operacionais, mas foi no Batalhão Ambiental que ela se reconectou com seu amor pela fauna e pela flora, elementos que tanto inspiraram seus desenhos. No BPA, Idlane permaneceu por sete anos e eternizou as inúmeras paisagens onde visitou durante as ocorrências. Tendo como fundo os tons de verde da sua última pintura, ela relata o amor pela natureza.

"Sou apaixonada pelos pássaros e pela mata, desde a época em que cursava Geografia. Então, ir para o Batalhão Ambiental foi uma reconexão com esse amor, que começou lá com aquela praia desenhada na parede pelo meu pai”, destacou a policial.

Hoje, lotada no 3º Batalhão, com sede em Arapiraca, ela revela o desejo de registrar as artes que produz. Por muito tempo, a militar desenhava como uma forma de desacelerar a rotina, deixando muitas pinturas apenas na memória. Agora, pretende divulgar seu trabalho, não com interesses financeiros, mas para inspirar outras pessoas a usarem talentos inexplorados.

“Eu sempre vi a pintura como um hobby. Adorava dar às minhas amigas as paredes dos quartos dos bebês pintadas com desenhos temáticos. Ou até mesmo desenhava e pintava de branco para criar uma nova paisagem aqui em casa. Terminei perdendo muitos quadros que pintei, já que a presença das redes sociais ainda não era uma realidade”, pontuou ela.

O primeiro passo para oficializar sua marca foi a escolha de uma assinatura, que começou a aparecer no canto inferior das suas obras. A origem veio da mistura do apelido carinhoso usado pelo seu pai para se referir a ela e da brisa que percorre os corredores da sua casa, trazendo memórias de afeto da infância. Assim nasceu o Beco da Ló, nome do projeto que Idlane pretende adotar para o futuro das suas criações.

“Meu pai, ao me visitar em Arapiraca, fala da brisa vinda do corredor aqui da área. Ele me chama de Ló, um codinome carinhoso desde que eu era criança. ‘Minha filha, que vento bom nesse beco, né? É o Beco da Ló’. Desde então, adotei essa marca para apresentar todas as pinturas e quadros pintados por mim. No futuro, quem sabe eu não crie uma exposição com esse nome”, destacou a sargento.

Na aquarela, o cinza também é cor

Por vezes, os cenários pincelados por Idlane serviram de refúgio para amenizar as dores enfrentadas pelo caminho. Em 2021, a policial travou uma batalha contra o câncer de colo do útero. A descoberta da doença modificou a maneira como a sargento enxergava o seu talento para a pintura, que se tornou um importante amuleto no seu processo de cura. Na arte, ela descobriu que os dias cinzas também podem ser paisagens inspiradoras.

“Em determinado momento, eu pintava sem uma finalidade ou motivação. Quando recebi o diagnóstico, meu mundo caiu. Muitos pensamentos vêm à cabeça e você começa a questionar o motivo das coisas. Então, eu me reencontrei com a arte e decidi transformar as minhas aflições em inspiração para continuar lutando e vencer esse desafio”, descreveu a militar.

Além do câncer, as ilustrações também são fundamentais para mantê-la firme na luta contra a depressão. Segundo Idlane, seu jeito extrovertido e comunicativo por vezes esconde das pessoas as fragilidades e dilemas que enfrenta. Nas paredes e telas, ela encontrou uma atividade que vai além do hobby, uma forma de extravasar sentimentos reprimidos.

“A arte de pintar é o que me mantém forte, e eu sou muito feliz por ter conseguido externar esse talento. Muitas pessoas terminam escondendo seus dons, vontades ou desejos por medo do julgamento alheio. Quantos militares não devem ser ótimos escritores, cantores ou desenhistas? Que essas pessoas tenham coragem de enfrentar seus medos e lembrem que os sonhos não envelhecem”, enfatizou a policial.

Ao fim da conversa, Idlane pegou uma das telas e começou a desenhar alguns traços, que logo se transformaram no brasão da Polícia Militar. Segundo ela, a pintura “não estava tão perfeita”, mas era uma lembrança sincera.