Aprovada em processo seletivo perde vaga ao contar gravidez: entenda por que atitude da empresa é ilegal e o que fazer
A maternidade representa a realização de um sonho para muitas mulheres. Contudo, nem sempre a vida profissional se alinha com esse momento tão especial e isso se torna ainda mais difícil quando, apesar da vontade de trabalhar, a futura mãe não é levada em consideração nos processos seletivos.
Ana Gabriela Martin, de 33 anos, conta que enfrentou desafios ao descobrir sua gravidez durante uma transição em sua carreira. A diretora de vendas engravidou logo após começar a fazer entrevistas em empresas. Como não foi planejada, descobri-la nesse período foi uma surpresa.
O problema é que, ao revelar que estava esperando um bebê durante o processo de seleção para um novo emprego, em janeiro deste ano, ela recebeu uma resposta inesperada: foi reprovada mesmo após receber a tão esperada carta de aceitação.
"O RH me ligou para falar que eles iam retirar a carta proposta, porque eles entendiam que o meu momento de vida não fazia sentido com momento da 'startup', que ia receber uma grande rodada de investimento, e iriam precisar de mim em eventos", relata.
Relatos como o da Ana afastam mulheres grávidas do mercado de trabalho. Com medo da negativa, muitas sequer se arriscam a procurar por uma oportunidade de se recolocar. Uma situação delicada no momento em que mais precisam.
No mês em que a maternidade é tão celebrada, o g1 conversou com a advogada Thais Cremasco, cofundadora do coletivo “Mulheres pela Justiça”, que oferece apoio jurídico a mulheres vítimas de qualquer tipo de violência e presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de Campinas.
🤰 Segundo a especialista, a situação vivida por Ana é ilegal.
Dispensada por estar grávida
Para a Ana, o negativo não fazia sentido. Ela chegou a argumentar com a empresa, pois, como o seu esposo trabalha em home office e há uma rede de apoio, as viagens a trabalho não seriam um problema.
Com a recusa, ela se viu em meio ao preconceito e à falta de inclusão que ainda ocorrem em muitos ambientes corporativos. “Foi até difícil para eu aceitar que tinha sido vítima de preconceito, porque eu pensei assim: 'poxa, o que eu fiz de errado? Será que eu não devia ter falado?'”, desabafa.
"Eu já não estava muito bem, porque estava lidando com uma gravidez surpresa e estava muito contando com o trabalho, né? Porque uma coisa você se planejar para ficar disponível no mercado durante um tempo e outra coisa durante esse período descobrir que vai vir um neném", relata.
O que a empresa fez é ilegal
Segundo Cremasco, o ato é ilegal e caracteriza uma falta de contratação discriminatória, proibida pela Constituição Federal, pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e por tratados internacionais assinados pelo Brasil. Ela detalha:
- A Constituição Federal e a CLT proíbem qualquer tipo de discriminação no ambiente de trabalho, inclusive contra gestantes.
- A advogada destaca ainda que existem diversos estudos, como os da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que comprovam a discriminação significativa contra mulheres grávidas.
Apesar das empresas raramente admitirem que a gravidez é o motivo para não contratar ou demitir uma funcionária, as evidências apontam para essa prática. “A empresa sempre vai se defender dizendo que não foi uma discriminação, né? Vai dizer. ''Ah, a gente não precisou mais da vaga', nunca a empresa vai confessar que foi por causa disso [gestação]”, conta.
Gravidez não pode ser empecilho para a contratação
Ela ressalta também que a empresa não pode pedir comprovação de gravidez, exames de sangue ou declarações de que a candidata não está grávida durante o processo seletivo. Qualquer discriminação com base em gênero, raça, classe, etnia ou religião é ilegal. A única comprovação permitida deve estar relacionada à qualificação necessária para a vaga.
A candidata gestante pode acionar a Justiça alegando “perda da chance”, que é usado quando uma pessoa perde uma oportunidade por causa de discriminação. Dessa forma, no caso de uma mulher grávida que teve sua contratação retirada, é possível dizer que ela perdeu a chance de um emprego devido à discriminação.
E como provar a discriminação?
Cremasco aconselha que as mulheres estejam informadas sobre seus direitos e fiquem atentas aos sinais de discriminação. Juntar provas e evidências circunstancias é fundamental. Ela também recomenda procurar um advogado especializado para tomar as medidas legais adequadas.
As mulheres discriminadas podem entrar com uma ação na justiça do trabalho, juntando provas como trocas de e-mails e testemunhos para demonstrar a discriminação. A advogada esclarece que, se comprovada, a empresa pode ser obrigada a contratar a mulher ou recontratá-la se foi demitida. Além disso, o contratante pode ser condenado ao pagamento de indenização por danos morais.
O mesmo vale para situações de desrespeito a outros direitos das trabalhadoras grávidas, dos quais se incluem:
- Licença maternidade de 120 dias, podendo ser estendida para 180 dias em empresas cidadãs;
- Estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, ou seis meses em empresas cidadãs;
- Intervalos para amamentação, tendo direito a dois intervalos de 30 minutos para amamentar, podendo ser estendidos conforme a condição da mãe e do bebê.
Grávidas também trabalham
Carolina Dostal, consultora de recursos humanos, aconselha que as mulheres grávidas que estiverem em busca de um emprego vejam na maternidade uma oportunidade para aprimorar qualidades, como resiliência, produtividade e capacidade de gestão de tempo.
De acordo com a consultora, muitas mulheres relatam que ficam mais eficientes e focadas após se tornarem mães, qualidades que podem ser valiosas para os empregadores. Carolina, inclusive, dá dicas para quem está procurando trabalho nesse momento da vida:
- É importante focar em competências críticas como análise de dados, inteligência artificial e soft skills - conjunto de habilidades e competências relacionadas ao comportamento humano - como liderança e comunicação;
- A candidata deve enfatizar como a maternidade aprimorou suas habilidades de gerenciamento e resolução de problemas;
- Utilizar as redes para descobrir oportunidades. De acordo com Carolina, um bom contato pode levar a uma entrevista de emprego.
Por que empresas devem contratar mulheres grávidas?
Para Carolina, mulheres que estão grávidas podem se tornar mais produtivas e eficazes após a maternidade. “Elas frequentemente desenvolvem uma habilidade única para priorizar tarefas e gerenciar tempo de maneira eficiente”, relata a consultora.
Além disso, empresas que adotam políticas mais inclusivas fortalecem a imagem e atraem talentos mais diversificados. Após a contratação, a empresa pode oferecer um ambiente mais acolhedor oferecendo horários flexíveis ou, até mesmo, a oportunidade de um trabalho remoto.
Há também necessidade assegurar a clareza das políticas do local e oferecer apoios as demandas das gestantes, proporcionando recursos como salas de amamentação, suporte psicológico, caso precise.
O que a empresa não deve fazer?
Ainda segundo Dostal, as instituições devem evitar o pensamento de que, por estar grávida, a candidata será menos capaz ou comprometida com o serviço. “Cada candidato deve ser avaliado por suas habilidades e experiência”.
"A inclusão de mulheres grávidas pode reforçar a reputação de uma empresa como um local de trabalho progressista e ético. Isso pode atrair talentos de alta qualidade e promover uma cultura corporativa de apoio e inclusão" informa.
Nova carta proposta e o esperado 'sim!'
Ana, a diretora de vendas citada no início da reportagem, não desistiu. Em fevereiro, após entrevistas para uma empresa de tecnologia de Campinas (SP), a moradora de Balneário Camboriú (SC) recebeu uma nova carta proposta. Dessa vez, ao compartilhar sua gravidez, foi recebida com apoio e respeito.
"Ele [recrutador] olhou para mim assim e ficou com uma cara meio de 'ué'. Ele falou assim: tá, mas, e daí? Isso não muda nada. Eu estou contratando você pela sua competência, não pelo seu momento de vida'", relembra.
Com isso, ela percebeu que tudo que havia acontecido não era sua culpa. Em seu novo emprego, as coisas estão se encaminhando bem e como o planejado. “Faz dois meses que eu comecei. O pessoal é muito solícito, todo mundo é muito aberto”.
“Eles realmente me contrataram pela minha competência e pelos meus resultados”, conta. Ana está esperando uma menina, ainda sem nome definido, e atualmente está com 26 semanas de gestação. Para ela, é de suma importância que as mulheres não tenham medo de se posicionar.
"Invistam em 'networking'. É muito importante a gente ter uma rede de apoio profissional. Não tenha medo de se posicionar, se posicionem", finaliza.