Pesquisadores brasileiros desenvolvem 1ª córnea artificial 100% nacional

Por Galileu 15/09/2023 11h11
Por Galileu 15/09/2023 11h11
Pesquisadores brasileiros desenvolvem 1ª córnea artificial 100% nacional
Como o dispositivo é implantado à própria córnea do paciente, isso diminui as chances de rejeição - Foto: Magalhães et al.

Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) criaram a primeira ceratoprótese (popularmente conhecida como “córnea artificial”) brasileira. O objetivo é ampliar o acesso ao tratamento, combater as rejeições aos órgãos transplantados e diminuir a dependência de materiais importados.

Embora o invento ainda não tenha sido aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os responsáveis indicam que seu uso pode representar um grande avanço na qualidade de vida das pessoas.

Dados do Ministério da Saúde apontam que, só em 2022, foram mais de 13,98 mil cirurgias para reposição de córnea no Brasil. Essa camada transparente, justaposta à frente da íris e da pupila, desempenha um papel fundamental na visão, mas seu transplante costuma apresentar uma alta taxa de rejeição no país: cerca de 15%. Ainda que os pacientes possam voltar a enxergar com um novo transplante, as chances de sucesso são menores a cada procedimento.

Para estes casos complexos, é normalmente recomendado o uso da ceratoprótese, que pode ser montada na própria córnea do paciente. Hoje, o modelo mais usado é a ceratoprótese de Boston, que é importada por meio de projetos de pesquisa ou por via humanitária aos pacientes que precisam do tratamento – ainda que existam entraves legais no seu registro junto à Anvisa.

Daí surgiu o interesse por desenvolver uma prótese 100% nacional. Mais moderna e composta por material biocompatível, polímero de acrílico (PMMA) e titânio 3D impresso, a prótese brasileira tem como diferenciais o custo reduzido e a fácil adaptação à córnea danificada do próprio paciente, dispensando doadores.

Como essas próteses são capazes de se integrar ao tecido do paciente, há menos possibilidade de reações negativas do sistema imunológico. Por isso, elas são indicadas para pessoas com histórico de múltiplas rejeições ao transplante ou para casos nos quais os médicos acreditam que há grande chance disso acontecer.

Em nota enviada à imprensa, o oftamologista Otávio Magalhães, pós-doutorando da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e um dos líderes do projeto, explica que as chances de retenção da ceratoprótese nacional são altas – especialmente em pacientes que sofreram queimaduras químicas, insuficiência limbar ou vascularização. “O olho tem um mecanismo próprio de defesa que isola quaisquer corpos estranhos. Não se trata de rejeição sanguínea, pois não há vasos sanguíneos que chegam à região. Quando há uma queimadura química ou vascularização da área, o sistema imune do paciente identifica a córnea estranha e a ataca”, explica o pesquisador, que desenvolveu a córnea artificial com Paulo Schor e José Álvaro Gomes Pereira, os docentes da Unifesp.

Segundo o estudo, pacientes que tiveram os olhos afetados por queimaduras químicas, ou mesmo por um quadro de herpes, podem chegar a fazer três ou quatro transplantes de córnea por conta da reincidência da rejeição dos órgãos. Além das cicatrizes, essas ocorrências aumentam a vascularização da região, diminuindo cada vez mais as chances de sucesso da cirurgia. “Em um paciente com queimadura química, por exemplo, a chance de um transplante de córnea ter sucesso é menor que 10%. Com uma ceratoprótese, porém, essa chance aumenta para perto de 60%”, detalha Magalhães.

Apesar dos benefícios que o uso da prótese pode trazer para o bem-estar das pessoas, os pesquisadores frisam que a córnea artificial não substitui o transplante do órgão; ela deve ser considerada apenas um complemento. A solução é destinada justamente para casos em que o prognóstico do transplante de córnea é baixo, ou seja, para uma pequena parcela dos pacientes.

“Não há cura para cegueira e ainda não temos essas ceratopróteses disponíveis para fornecer aos pacientes. Para que isso se torne realidade, precisamos do apoio das agências fomentadoras”, conclui Paulo Schor. “O mercado é pequeno e as vítimas desse tipo de trauma têm menos recursos monetários. Então acredito que esse apoio virá de um olhar de prioridade social, pois, ainda que seja uma condição relativamente rara, permanece sem solução no nosso meio.”