Exército notifica igreja e pede esclarecimentos sobre rifa de espingarda calibre 12
O Exército quer saber detalhes sobre a rifa de uma espingarda calibre 12 realizada por uma igreja evangélica da Serra, na Grande Vitória, para decidir se houve algum tipo de irregularidade passível de punição legal.
Fontes do Exército ouvidas pela Rede Gazeta disseram que a instituição enviou notificação oficial para a Igreja Povo da Cruz pedindo esclarecimentos.
Integrantes do Exército ouvidos pela reportagem disseram que a instituição não compactua com qualquer conduta ou ato que contrarie os princípios da correção e da legalidade.
A igreja está vendendo 250 bilhetes de uma rifa, por R$ 100 cada um, para conseguir recursos para investir, de acordo com o pastor, no Ministério Infantil.
O anúncio do sorteio foi publicado nas redes sociais pela igreja. Rifar armas e munição é proibido por decreto federal e por uma portaria no Ministério da Economia.
Orgulhosos
O pastor Dinho Souza falou sobre o caso em um vídeo publicado na rede social da igreja, na madrugada desta sexta-feira (27).
"Sim. É verdade. Estamos muito orgulhosos disso porque nossa igreja está se mudando para um novo local e nós comunicamos aos amigos para que eles pudessem nos ajudar com algum tipo de oferta ou alguma coisa que eles tivessem que pudéssemos vender foi aí que um amigo querido que é colecionador de armas ele sugeriu a possibilidade de doar uma escopeta calibre 12 e para estarmos sorteando e obviamente que nós aceitamos essa oferta e estamos fazendo uma rifa", informou.
De acordo com a igreja, o sorteio da arma será realizado quando todos os bilhetes forem vendidos e a rifa arrecadar R$ 25 mil. A Povo da Cruz também informou que o vencedor deve estar devidamente habilitado para portar a espingarda.
Sobre o fato do objeto sorteado na rifa ser uma arma, ele disse que não vê nenhum problema.
"Muitas pessoas não conseguem compreender essa mentalidade. Nós respeitamos os pensamentos contrários. Não temos problema com isso porque o armamento é para o cidadão de bem. Seja ele ímpio ou cristão. Nós incentivamos a todo homem de bem que tenha uma arma para defesa da sua família. Aquele que nega e negligencia a defesa da sua família não pode ser chamado de homem", disse o pastor.
O pastor Dinho Souza falou ainda que a arma não será para criminosos.
"Essa arma não vai ser pra bandido porque bandido não pode ter arma. Não tem direito a arma. Essa arma será justamente para que o cidadão de bem possa se defender dos bandidos", disse.
'Nunca vi isso', diz presidente da Associação de Pastores Evangélicos
O pastor Enoque de Castro Pereira, que é presidente da Associação de Pastores Evangélicos da Grande Vitória definiu como "inusitado" o fato de uma igreja sortear uma espingarda calibre 12.
"É muito inusitado. Eu nunca vi isso. Pessoalmente sou contra e acredito que 99,9% das igrejas sejam contra qualquer questão de fazer uma rifa de arma de fogo. Pega a igreja que prega o equilíbrio e a salvação e vai lá e sorteia uma arma? Se esse sorteio fosse em uma região do interior ou outro estado, onde o uso é mais comum, talvez não teria essa repercussão", disse.
O pastor falou sobre a discussão em relação ao uso de armas de fogo.
"A polêmica em torno de armas de fogo existe. Como advogado, também sei que a legislação que nós temos em vigor diz que determinadas categorias podem ter a posse de arma [ter uma arma em casa]. A própria lei diz que se você invadir uma propriedade o dono da propriedade pode ser defender. Já o porte de arma é mais restrito, e na cultura brasileira, é complicado. Imagine que alguém ganhe e cometa um delito com essa espingarda sorteada pela igreja? Isso vai trazer uma complicação para a liderança da igreja. A bíblia diz que devemos fugir da aparência do mal e o o próprio apóstolo Paulo diz que todas coisas são licitas mas nem todas lhe convém", disse o pastor.
Decreto proíbe sorteio de armas e munição
Armas e munição fazem parte de uma lista de objetos que não podem ser sorteados, de acordo com o decreto nº 70.951 do governo federal, que dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso.
Em seu artigo 10º, o decreto diz que "não poderão ser objeto de promoção, mediante distribuição de prêmios medicamentos, combustíveis e lubrificantes, armas e munição assim como explosivos, fogos de artifício ou de estampido, bebidas alcoólicas, fumo e seus derivados".
Uma portaria de 2020 do Ministério da Economia também proíbe a prática. Segundo a norma, não poderão ser objeto de operação filantrópica, mediante distribuição de prêmios "armas e munições, explosivos, fogos de artifício ou de estampido, bebidas alcoólicas, fumo e seus derivados".
O Ministério Público Federal (MPF) foi procurado pelo g1, que perguntou sobre as regras do sorteio de armas e também se o órgão vai se posicionar sobre o caso. Até a última atualização da reportagem, o órgão não havia retornado.