'Meu pulo do gato foi não ser só um youtuber, mas criar estilo de vida', diz Luccas Neto
Luccas Neto, 29, montou em três anos um império do entretenimento infantil. Muito além do YouTube, onde tem um canal, o Luccas Toon, com quase 35 milhões de inscritos, o empresário carioca produz filmes, nos quais também atua, e vende uma vasta gama de produtos -de achocolatados a camisetas- que levam marcas cridas por ele, como a da série Os Aventureiros.
Luccas é irmão de Felipe Neto, 33, provavelmente o youtuber mais famoso do Brasil, mas não fala em entrevistas sobre a família ou política [o que o irmão faz, e muito]. Atualmente, ele emprega, de maneira direta, 110 pessoas e tem 2.000 m² de estúdio para a produção de seu conteúdo.
Para ter sucesso no mercado infantil, Luccas afirma que usou seu conhecimento prévio em marketing digital e publicidade (carreira que cursou até o sexto período, quando deixou a faculdade para priorizar o negócio) e buscou criar um estilo de vida, "para que as crianças brinquem com meus personagens como eu brincava de Pokémon".
Por outro lado, diz que é necessário estar atento às responsabilidades inerentes à comunicação com o público infantil. Seus espectadores e, de certa forma, clientes, são crianças de 2 a 12 anos, sendo os mais assíduos aqueles que têm entre 3 e 7. Confira a seguir a entrevista.
Pergunta - Como veio a ideia do seu negócio? Você se preparou de que maneira para iniciá-lo?
Luccas Neto - Antes de tudo, eu trabalhava com marketing digital. Lia muito sobre o assunto e estudava por conta própria. Entendia, então, bastante de YouTube e comecei a perceber um crescimento exponencial de canais focados no infantil em países como Estados Unidos, México e Austrália. Vi a oportunidade e criei um projeto nesse sentido. Apresentei a ideia para a empresa em que eu trabalhava, mas não deu certo, não toparam, aí guardei o projeto por um tempo. Depois que saí desse trabalho, comecei a produzir alguns vídeos para o YouTube, mas naquela época eles ainda não tinham nada a ver com o público infantil.
E o que te levou a retomar a ideia?
LN - Perceber que, para atingir o que eu queria, precisava de um "pulo do gato", que foi o seguinte: decidi que não iria ser só mais um youtuber que depende de AdSense [forma como a plataforma remunera os donos de canais], basicamente deixando a vida financeira da minha família nas mãos de uma empresa. Isso foi em 2018. Para isso, eu tive que investir muito dinheiro [ele não revela quanto], mas estou colhendo os frutos agora [também não abre o faturamento atual]. Meus vídeos hoje não são simples, são episódios [da série Os Aventureiros, por exemplo]. É necessário às vezes ter 50 pessoas num set de gravação. Durante o processo, expandi o leque do meu negócio, com produtos, filmes, livros etc.
O faturamento com a produção de filmes e a venda de produtos é maior que o do canal?
LN - Sim. Hoje, a remuneração do YouTube é cerca de 15% do meu faturamento. Então você converte o conteúdo em vendas.
Que dica dá para empresários do entretenimento infantil venderem mais?
LC - O principal é trabalhar em cima da marca. No meu caso, eu me desvinculei da pessoa física Luccas para focar a Luccas Toon e Os Aventureiros. Não adianta fazer um vídeo e dizer "então, lancei esse boneco aqui". Isso sozinho não converte em venda. O que converte é criar um estilo de vida nas famílias, buscar que as crianças assistam ao seu conteúdo acompanhadas dos pais, que usem seus produtos. Um dia, no aeroporto, eu vi dois garotos brincando de Os Aventureiros igual eu brincava de Pokémon quando era criança. Fiquei muito feliz.
Quais cuidados você toma para produzir conteúdo ao público infantil?
LN - Há uma equipe robusta nos orientando por trás de tudo que fazemos. Todo conteúdo criado passa primeiro por um pedagogo antes de ir para o ar; quando lançamos livros, por um psicopedagogo. Muita gente faz vídeo infantil de qualquer jeito, eu preferi me profissionalizar.
Você se preocupa com o tempo que as crianças passam em frente ao computador assistindo aos seus vídeos?
LN - Eu tento passar algum conteúdo educativo sempre. Minha mãe era coordenadora de uma creche, e eu morei com ela durante 24 anos. Naquele tempo, ela sempre me contava os problemas da escola e como as crianças se comportavam. Eu criei uma planilha com vários tópicos infantis e, para criar um episódio, trabalhamos em cima de um e buscamos passar algo educativo relacionado a ele.
Nem sempre dá certo, mas já produzimos conteúdo sobre como brincar com os amigos é melhor que só ficar no celular, sobre por que não se deve mentir, sobre os perigos de excessos na alimentação.
Eu quero de verdade contribuir com a educação, como uma causa social mesmo. Por isso também que, como disse, resolvi me profissionalizar
Nos episódios publicados em seu canal, há inserções publicitárias para vender seus produtos. Como lidar com a publicidade para crianças?
LN - A gente não quer impor nada. Tenho uma equipe jurídica que criou um manual da publicidade para a empresa seguir. Há orientações de o que fazer e de como fazer. Alguns exemplos são: não podemos usar verbos no imperativo ou nos dirigir à criança nesse momento [as inserções começam com "atenção, mamães e papais"]. Também deve estar clara a sinalização de que aquilo é uma propaganda. A gente sempre recomenda também que pais e mães assistam aos vídeos junto com os filhos.
Você percebeu um aumento de inscritos no canal ou nas reproduções dos vídeos durante a pandemia?
LN - Durante um tempo, no começo, sim, mas depois voltou ao normal. As crianças ficam em casa, mas também fazem outras atividades, às vezes até da própria escola. Como empresa, no ano passado, ficamos três meses totalmente fechados, mas mesmo assim crescemos. Antes você produzia um conteúdo bem diferente, como o famoso vídeo da banheira de Nutella [no qual, em 2017, o empresário se cobriu com 80 kg da pasta].
Tem gente que tem um pé atrás com você por isso. O que diz para essas pessoas?
LN - Que na época as crianças não eram o meu público-alvo. Quando eu fazia isso, era só o Luccas Neto, hoje temos 20 artistas no canal. Eu escrevo todos os episódios, mas participo só de 30% deles. Não existe mais esse tipo de vídeo.
Os pais que veem alguma coisa minha sabem que isso mudou. Hoje a gente faz frequentemente pesquisas grandes para entender nosso mercado, para saber o que os pais estão achando. A gente fala diretamente com eles também, tanto pelo canal do YouTube quanto pelas redes sociais.
Quem só lembra da época antiga me ataca e não deixa o filho ver mesmo. Acontece. Mas digo que, mais cedo ou mais tarde, a Luccas Toon sempre chega à casa da pessoa, seja por meio de um sobrinho, um amigo do filho etc. -e aí, talvez, eles verão como o conteúdo mudou.
RAIO-X
LUCCAS NETO, 29
Youtuber e empresário carioca tem um canal com quase 35 milhões de inscritos na plataforma; produz filmes, nos quais também atua, e comercializa produtos que levam a marca de suas criações, como a série Os Aventureiros.