Paranaense se casa e tem duas filhas com irmão por parte de pai; entenda a história

Por Marie Claire 01/12/2020 08h08
Por Marie Claire 01/12/2020 08h08
Paranaense se casa e tem duas filhas com irmão por parte de pai; entenda a história
Eduarda e Giovani, no dia do casamento - Foto: Arquivo Pessoal

“Em 2005, conheci Giovane. Estudávamos no mesmo colégio, ele estava no último ano do ensino médio e eu havia começado o primeiro. Tinha 14 anos e ele, 17. Na época, eu ficava com um amigo dele, saíamos juntos sempre. Ele se formou no fim daquele ano e passamos as férias trocando mensagens diárias. Até um belo sábado, ele me chamou para assistir um filme em sua casa. Disse que levaria um amigo e pediu que eu convidasse uma também. Chamei então uma menina com quem Giovane já havia ficado para garantir o sucesso do date duplo. Nem bem pisei lá, porém, entendi que não rolaria nada. A amiga que levei era apaixonada pelo cara que lá estava, não ia rolar mesmo nada entre mim e o rapaz. Conformada, decidi curtir o programa. Fizemos pipoca e sentamos em frente à TV – me posicionei na ponta do sofá para minha amiga não pensar que eu tinha algum interesse no crush dela. Pois, na primeira oportunidade, Giovane me tascou um beijo. Na hora, fiquei totalmente sem reação. Mas depois rolou outro beijo e deixei rolar. No mesmo dia ele me disse que estava gostando de mim, que havia passado a me ver com outros olhos e perguntou se poderíamos ficar outras vezes para vermos o que rolava. Topei.


Ficamos juntos três meses, mas não deu muito certo. Acontece que, depois de alguns meses separados, começamos a nos encontrar na casa de amigos em comum e descobrimos que gostávamos mesmo um do outro. Depois de quase dois anos de namoro, em 2009, ficamos noivos. E, para oficializar o novo status, marcamos um jantar na minha casa para aproximar nossas famílias que, até então, não haviam tido muito contato. Ele queria pedir a minha mão em casamento para meu pai, como manda o figurino.


Notei que minha mãe arregalou os olhos quando a apresentei à minha sogra, mas minha ansiedade era tanta que nem dei bola. Minutos depois, ela me chamou no quarto e perguntou se aquele era mesmo o pai biológico de Giovani. Não tinha aquela informação, mas acreditava que sim. Ela contou então que já conhecia dona Inês, a minha sogra. No passado, as duas haviam trabalhado juntas em uma empresa de alimentos. E tinha mais. Disse que dona Inês tinha sido casada com meu pai biológico, com quem eu nunca tive muito contato, e os dois haviam se separado quando ela estava grávida ou com um bebê recém-nascido -- ela não se recordava direito. Minha mãe teria começado então a se relacionar com meu pai e, três anos depois, eu nasci. E aí veio a bomba: se fosse mesmo ela, Giovane poderia ser meu meio irmão.


Em choque, me sentei na cama e ali fiquei por minutos, completamente incrédula. A situação era tão absurda que ainda brinquei: ‘Se a senhora não quer que eu me case é só falar, não precisa inventar nada’. Mas, muito nervosa, ela insistiu. Estava quase certa de que aquela era a ex-mulher do meu pai. Pedi que ela se acalmasse e que voltássemos ao jantar.


Sem graça, voltamos para a sala. Seguramos até o fim da refeição. Mas ela não se aguentou e, depois de comer, soltou a língua: “Você namorou o Jair Nunes na década de 80?’. Nitidamente ofendida, minha sogra negou. E aí foi a maior treta. Minha mãe insistiu que era ela, sim, e levantou a suspeita que nós poderíamos ser irmãos. Falou tudo isso assim, na lata. Na mesa, ninguém respirava. Ela dizia que era filho biológico de seu marido, enquanto meu sogro permanecia em silêncio.





Dona Inês então decidiu se explicar. Assumiu que havia sido casada com o meu pai, mas disse que estava saindo com meu sogro na época em que eles estavam juntos. Em seguida, foi embora. Que babado! Ainda mais para uma senhora toda recatada e cheia de pudores, como ela. Sem entender direito o que estava acontecendo, Gil e eu nos abraçamos e começamos a chorar. Meu padrasto, incrédulo, ficou nos consolando e minha mãe, revoltada, já estava louca da vida dizendo que tínhamos que terminar logo esse namoro. E assim terminou nosso tão sonhado jantar de noivado.


As semanas seguintes foram de fortes emoções. Durante 20 anos, Giovane havia sido criado por um homem que, do dia pra noite, poderia não mais ser seu pai biológico. Lá em casa, o clima pesou também. Minha mãe queria que nos separássemos logo, não aceitava a situação de forma alguma. Quis que eu me confessasse com o padre da igreja dela, que tentou me convencer a terminar o quanto antes com o Gil. Mas não teve jeito. Nós nos amávamos, e não queríamos nos separar.


Depois de muita discussão entre minha mãe e minha sogra, dois meses depois da revelação, dona Inês aceitou fazer o exame de DNA para descobrir se Gil era mesmo meu irmão. Foram dias de espera bem difíceis, sentimentos aflorados, medo, insegurança. Mas parecia que o nosso amor só se fortalecia. Até poucas horas antes de pegar o resultado, minha sogra insistia em dizer que o marido era o pai do Giovane. E não admitia que duvidassem dela. Mas, para não contrariar o filho, que ficou bastante revoltado, concordou em fazer o teste.


No dia que o resultado saiu, fomos todos ao laboratório, parecia uma comitiva. Queríamos saber a verdade o quanto antes. Chegando lá, Giovane, dona Inês e meu sogro receberam um envelope cada. Meu namorado foi o primeiro a abrir. E não, ele não era realmente filho biológico do meu sogro.


Giovane ficou em choque, sem acreditar no que estava vivendo. Minha sogra começou a chorar sem parar e meu sogro disse que já desconfiava, mas que para ele aquilo não mudaria nada. E eu ali, consolando a todos, mas tão perplexa quanto eles.


Resolvi ligar pro meu pai biológico, com quem não falava desde os 14 anos. Seu Jair disse que até desconfiava que tinha esse filho mas como, na época, minha sogra havia dito que o menino não era dele e sim do meu sogro, que já era seu amante na época, seguiu sua vida.


A partir dali nosso mundo virou de cabeça para baixo. Começou, então, uma pressão psicológica danada para nos separamos. Minha mãe me proibiu de sair de casa para não encontrar Gil, queria me fazer esquecê-lo a todo custo. Na casa dele, também não eram a favor da nossa relação. Minha sogra que, até então me tratava muito bem, mudou. Afinal, por minha causa toda a verdade sobre a vida dela veio à tona. Acho que ela nunca superou isso.


Após algumas semanas, começamos a nos encontrar às escondidas. Mas minha mãe descobriu e confusão foi tanta que saí de casa e resolvemos morar juntos. Tempos depois, ela viu que não conseguiria me separar do Gil e acabou cedendo, mesmo a contragosto. Aos poucos, no entanto, ela foi amansando. Nos ajudou a montar nossa casa, assim como dona Inês, e, assim, começamos a nossa vida de casados. Só lembrávamos do fato de sermos meio irmãos quando alguém mencionava.


Em 23 de dezembro de 2010, sem planejar nada, descobri que estava grávida. Pela primeira vez, sentimos que o nosso parentesco podia nos trazer problemas. Sabíamos que, por sermos parentes, nosso filho poderia nascer com alguma deficiência ou problemas de saúde. Foi um turbilhão de emoções. Sentíamos um misto de felicidade pela chegada da criança e medo de ela nascer com algum problema mais sério -- cegueira, deficiência física e mental são as mais associadas a esse tipo de caso.


Fomos, então, em busca de um médico para dar início ao pré-natal. Nos indicaram o Dr. João Manoel Arnt, que foi um anjo em nossas vidas. Ele nos explicou que o fator genético é uma loteria e que, assim como muitos casais normais tem filhos com alguma deficiência, nós poderíamos ter um bebê perfeitamente saudável. Por sorte, nenhum exame apontou qualquer problema e, com 19 semanas de gestação, descobrimos que teríamos uma menina.


Sara nasceu com 33 semanas de gestação, no dia 5 de julho de 2011. Apesar do parto prematuro, pesava 2,255 kg. Linda e saudável, ficou dez dias na neonatal para monitorar o peso e fazer exames, mas estava superbem.


Quando nossa filha estava com apenas 30 dias de vida, e eu ainda de resguardo, rolou uma briga feia tudo por culpa da intromissão da minha sogra na nossa vida – que não se conformava com o fato de morarmos atrás da casa da minha mãe. Giovane saiu de casa por uma semana e acabou saindo com uma outra colega nossa, da época do colégio. Logo reatamos, ele voltou pra casa e, seis meses depois, essa mulher o procurou falando que estava esperando um filho dele. Foi mais um balde de água fria. Justo quando tudo, finalmente, parecia estar bem, veio mais essa bomba. Depois que a bebê nasceu fizeram o exame de DNA , que confirmou a paternidade do Giovane. Minha filha e ela têm apenas nove meses de diferença.


Em janeiro de 2017, precisei fazer uma simpatectomia, que é uma cirurgia simples para diminuir o suor excessivo das mãos, e a anestesia geral mais os antibióticos que precisei tomar no pré-operatório cortaram o efeito do meu anticoncepcional. Algumas semanas depois, comecei a sentir os sintomas: dor nos seios, inchaço na barriga, menstruação atrasada. Estávamos grávidos de novo.


Dessa vez, foi tudo diferente. Já nas primeiras 12 semanas, tive descolamento de placenta, depois precisei ser afastada do trabalho porque comecei a ter contrações e dilatação. Passei a gestação inteira em repouso, recebendo todos os cuidados. Com 35 semanas, entrei em trabalho de parto e, no dia 29 de agosto de 2017, nasceu nossa segunda filha, Valentina. Ela nasceu com insuficiência respiratória e precisou ficar 10 dias internada, mas não tinha nenhum indício de deficiência ou problema de saúde, somente as complicações da prematuridade mesmo.


Quando o resultado do teste do pezinho saiu, descobrimos uma alteração para a fibrose cística, que é uma doença genética, progressiva, sem cura e com muitas complicações. A princípio, me senti horrivelmente culpada, mas os médicos nos disseram que ela não é, especificamente, causada por nosso parentesco. Existe até uma chance maior de ele acontecer por sermos irmãos, mas não é a causa principal.


Hoje, três anos e duas internações depois, ela está muito bem, seguindo uma rotina de tratamento rigorosa que a mantém saudável. É uma criança feliz e inteligente, e isso nos basta.


Temos uma família linda e um relacionamento de cumplicidade, amor e respeito. Somos apaixonados um pelo outro, qualquer um que nos conhece percebe isso.


Minha filha Sara está com 9 anos. Luma, filha do Giovane, está com 8 e a nossa caçulinha, Valentina, 3.


Nossas filhas se parecem muito com nós dois. Todos falam que Giovane e eu temos olhos e sobrancelhas iguais. Também temos o mesmo gênio forte e somos igualmente teimosos.


Há três anos, seu Jair, meu pai biológico, finalmente conheceu o filho. Foi estranho estar com meu pai e o Giovane juntos. Não existe uma relação paterna consolidada nem entre eles, nem entre meu pai e eu. Já meu marido e seu pai, o homem que o criou, estão cada vez mais próximos. Nossas filhas ainda não sabem que nós somos irmãos, mas na hora certa, quando tiverem um pouco maiores, pretendemos contar tudo a elas.


Para os que nos julgam, que acham que estamos cometendo incesto e praticando algum tipo de pecado, penso que pecado maior é inveja, cobiça, falta de compaixão com o próximo. Não fizemos mal a ninguém, cuidamos da nossa vida e da nossa família com muito amor e dedicação. Meu marido e eu batemos o pé e decidimos ficar juntos porque nos amamos de verdade. Seguimos juntos até hoje, 13 anos depois, com duas filhas lindas e uma enteada que adoro. Não temos vergonha da nossa relação, muito pelo contrário, ela nos dá um baita orgulho. Pois enfrentamos todo tipo de julgamento, xingamento e preconceito para ficar juntos. Como nosso amor merece.”