Anvisa proíbe uso de gordura trans nos alimentos industrializados

Por O Globo 17/12/2019 13h01 - Atualizado em 17/12/2019 16h04
Por O Globo 17/12/2019 13h01 Atualizado em 17/12/2019 16h04
Anvisa proíbe uso de gordura trans nos alimentos industrializados
Foto: Reprodução
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu, por unanimidade, nesta terça-feira (17), proibir o uso das gorduras trans industriais em alimentos a partir de 2023. O órgão também definiu um limite de 2% do ingrediente nos óleos refinados, que começa a valer em 18 meses. Com a medida, o Brasil se torna o 50º país no mundo a adotar restrições contra os ácidos graxos trans industriais (AGTI), aliando-se a um objetivo da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é eliminar a substância produzida industrialmente em três anos.

— O mundo tende ao banimento da gordura trans. A gente entende que é um processo de muito impacto para o setor produtivo, mas, óbvio, o papel da agência é resguardar a saúde do cidadão. Doenças crônicas e cardiovasculares são as mais citadas [como consequência da ingestão inadequada da gordura]. Quando a gente olha pro impacto da ingestão dessa substância a gente vê uma gama de muitas doenças que vêm e encurtam a vida ou limitam muito a vida, como a hipertensão, outras de ordem metabólica, sobrepeso — afirmou a relatora da resolução no órgão, a diretora Alessandra Bastos Soares.

O Brasil é o 50º país a adotar restrições em relação aos ácidos graxos trans industriais (AGTI’s), nome técnico para a substância. Além de vários países europeus, EUA, África do Sul, Índia, Canadá, Argentina, Chile, Colômbia e Equador adotaram leis que limitam o uso desse tipo de gordura.

Responsável pela crocância dos alimentos, a gordura trans é amplamente utilizada pela indústria para aumentar o prazo de validade e diminuir o preço dos produtos. A lista dos alimentos que contêm a substância é grande. Sorvetes, pipoca de micro-ondas, biscoitos, margarinas e congelados, por exemplo.

Além disso, a gordura trans está presente no preparo por serviços de alimentação, como restaurantes, lanchonetes, bares e vendedores ambulantes. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras instituições vêm intensificando o alerta para os problemas decorrentes do uso de AGTI’s para a saúde. A ambição da OMS é a de eliminar a gordura trans produzida industrialmente da oferta global de alimentos até 2023.

— Temos evidências convincentes de que o consumo de ácidos graxos trans acima de 1% do valor total da dieta afeta fatores que desencadeiam as doenças cardiovasculares. Então, há uma relação muito clara com o aumento das doenças coronarianas, o risco de desenvolvimento dessas doenças e até a morte por causa dessas doenças — explica Thalita Lima, gerente geral de alimentos da Anvisa.

Outras evidências científicas afirmam que a substância também aumenta os índices de colesterol ruim (LDL), diminui o bom (HDL) e causa inflamações no organismo.


Até hoje, no Brasil, não havia nenhum tipo de proibição da quantidade de gordura trans nos alimentos industrializados e óleos vegetais. Assim, é possível encontrar produtos nas prateleiras dos supermercados que têm muito mais do que os 2% de limite de gordura trans que deve ser estabelecido. Uma projeção da própria Anvisa aponta que o Brasil poderia se tornar o país da América com o maior volume de mercado de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados (OGPH), ultrapassando os Estados Unidos.

As diretrizes da OMS determinam que a substância deve representar, no máximo, 1% do valor energético de uma dieta. No entanto, estudos recentes têm apontado que a média de consumo entre os brasileiros está entre 1,4% e 1,8%, muito acima do limite. Segundo a Anvisa, as pessoas com baixa renda são as mais vulneráveis.

— Toda a população brasileira consome alta quantidade de gorduras trans, apesar das diversas ações de informação aos consumidores e ações voluntárias de redução pela indústria. Mas muitas vezes a gordura trans é um ingrediente que ajuda a reduzir o preço dos alimentos e populações de baixa renda acabam consumindo bastante esses produtos — afirma Thalita.

Entenda como a decisão desta terça-feira afeta o consumo de alimentos dos brasileiros:

O que a Anvisa regulamentou?

Após passar por consulta pública, o texto da resolução dos diretores estabelece um cronograma de três etapas para que a indústria do setor se adapte.

A primeira começa em julho de 2021. A partir dessa data, os óleos vegetais — comumente usados para fritura — terão um limite de 2% de gordura trans; a segunda, de julho do mesmo ano a janeiro de 2023, estabelece o mesmo limite, dessa vez para o teor de gordura total dos alimentos; a partir de 1º de janeiro de 2023, o uso da gordura trans na cadeia de alimentos estará proibido.

Daí em diante, apenas os óleos vegetais podem conter a substância (de acordo com o novo limite) e os alimentos destinados, exclusivamente, para fins industriais, ou seja, que não chegam ao consumidor.

Com a medida, o Brasil se alinha ao desejo da OMS, que é eliminar a gordura trans produzida industrialmente da oferta global de alimentos até 2023.

Se entrar em vigor, a norma estabelece várias sanções aos fornecedores e vendedores que a descumprirem, de advertências até o fechamento do estabelecimento.

Vale lembrar que a resolução da Anvisa incide apenas sobre a gordura trans que têm origem tecnológica nos processos industriais e de hidrogenação parcial e desodorização dos óleos, e fritura. Isso porque também existem ácidos graxos de origem biológica que estão presentes em alimentos de origem animal, como a carne, o leite, a manteiga e o queijo. Além de não poder controlar a presença de gordura trans nesses produtos “naturais”, a proporção da substância é muito menor do que naqueles que passam por algum processo industrial e, portanto, os danos à saúde são mais baixos.

Os produtos vão ficar mais caros e perder a crocância?

Usados para baratear os custos de produção e o preço final do produto, as gorduras trans têm substitutos, que variam conforme o alimento. Assim, não deve haver impacto na textura e no valor passado aos consumidores. É o que diz Thalita, que citou o exemplo de outros países que regulamentaram a substância e encontraram solução.

— Quarenta e nove países já adotaram essa medida. As empresas já vêm num movimento de redução gradual. Existem substitutos que consigam suprir essa capacidade tecnológica. A expectativa é que a gente consiga manter as características de sabor, de crocância dos alimentos, mas utilizando um ingrediente mais saudável — disse.