Discussão acerca do aumento dos valores das multas de trânsito
A edição do Jornal Nacional exibida no dia 10 de janeiro foi muito oportuna ao trazer à tona a defasagem dos valores a serem aplicados em casos de infração de trânsito no Brasil, os quais estão “congelados” desde o ano de 2000 por haver sido extinta a UFIR (Unidade Fiscal de Referência), indexador que havia sido estabelecido com o objetivo de se aplicar reajustes mensais nestes valores.
À primeira vista, sempre que se fala em aumento de valores de multas, vem à mente a voracidade arrecadatória dos governos. Complementarmente, se pensa sobre a destinação (ou má destinação) destes recursos, o que não é sabido pela maioria da população.
Segundo o artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), os valores arrecadados com multas de trânsito deveriam ser aplicados, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. Além disso, do total obtido, 5% é depositado, mensalmente, no Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), órgão do governo federal e, recentemente, a Portaria 407 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) fixou, em seu artigo 10, que, 1% do valor das multas tem que ser destinado ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), que também é federal. Na prática, o que se vê é que ocorre um desvio de parte significativa destes recursos para fins diversos dos preconizados, como pagamento de pessoal e reformas prediais, entre outros tantos.
A aplicação de uma multa (AIT – Auto de Infração de Trânsito) deveria servir para orientar, regular e mediar os comportamentos dos cidadãos e o valor arrecadado com as multas deveria ser investido para diminuir a ocorrência destas infrações, como exibido na matéria intitulada “Japão declara guerra no trânsito”, que foi ao ar também pelo Jornal Nacional nesta mesma noite, na qual se demonstrou que o número de mortes decorrentes de sinistros de trânsito naquele país vem declinando nos últimos 13 anos, mesmo com o aumento da frota circulante, tendo como um dos principais fatores a instituição de processos formadores de condutores e pedestres mais conscientes com suas responsabilidades para consigo mesmos e para com seus concidadãos.
Caso tivéssemos a espetacular oportunidade de convidar Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês autor do livro “Vigiar e Punir: História da violência nas prisões”, o qual versa sobre o poder estatal de punir, para uma conversa sobre o tema atualização dos valores das multas de trânsito provavelmente ele afirmaria que “as luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas”, pois, se de um lado temos o direito de propriedade sobre um veículo e de ir e vir com este, de outro lado temos que nos submeter às formas de controle exercidas pelas instituições sociais, nossos códigos jurídicos, princípios morais e éticos e costumes sociais vigentes (padrões ditos “normais” de conduta).
Entendemos que os valores atualmente vigentes para as multas de trânsito devem ser urgentemente majorados, atingindo níveis paralelos com os utilizados noutros países, como na Inglaterra, exemplo utilizado na matéria da TV Globo, e, para fundamentar esse entendimento, vamos tentar passar uma visão da importância da imposição de penas apropriadas, neste caso mais específico do trânsito, fazendo uso da ótica de Foucault, assim como também poderíamos nos subsidiar em Kant, Hegel, Beccaria, Feuerbach, entre muitos outros pensadores que se debruçaram sobre o tema “teoria das penas”.
O CTB, para Foucault, seria um mecanismo de controle, dentre outros, baseado na ameaça de punição que objetiva moldar a conduta e disciplinar o comportamento do homem, considerando-o um objeto das instituições, parte de um esquema denominado “tecnologia política” ou “tecnologia de poder”.
Neste contexto, os comportamentos divergentes, as infrações cometidas, estão sujeitos às imposições de penas, as quais devem seguir algumas regras identificadas nesta nossa sociedade disciplinar por Foucault como:
- Regra da quantidade mínima: O indivíduo deve ter uma percepção clara de que o grau de desvantagem no cometimento da infração é maior que o grau de vantagem que ele pode auferir se ousar transgredir. Na matéria do JN fica claro o descumprimento desta regra quando o motorista particular Ewerton Pereira, quando abordado sobre ter deixado seu carro estacionado em local proibido, declara: “Se der multa a gente paga. Vai fazer o quê? Não tem lugar pra estacionar”. O valor da multa é de R$ 85,00 então, para alguns, pode parecer ser melhor pagar do que tentar achar outro lugar para estacionar. A multa, nesse caso, perde seu caráter punitivo e passa a ser encarada como uma “contraprestação de um serviço”;
- Regra dos efeitos colaterais: A pena deve produzir um efeito de prevenção geral, pois sua aplicação sobre um indivíduo deve causar uma sensação capaz de desestimular de forma geral o cometimento pelos demais;
- Regra da certeza perfeita: Sugere que o indivíduo deve ter a certeza de que se errar, então pagará pelo seu erro, coisa que não é certa num país que ainda encontra muitos adeptos do “jeitinho”, “do levar vantagem em tudo, certo? (Lei de Gérson)”, e da impunidade;
- Regra da especificação ideal: Faz-se necessário um código suficientemente preciso na tipificação de cada infração e na aplicação de cada pena em dose apropriada, o quê não acontece com o nosso CTB, notadamente neste assunto dos valores atuais das multas.
O início da matéria do JN exalta a redução no número de acidentes fatais registrados pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) durante as festas de final de ano em decorrência de uma maior fiscalização e uma maior severidade relativa à condução de veículo após ingestão de bebida alcoólica.
Excesso de velocidade é punido com irrisórios R$ 85,13, no máximo R$ 574,62 e é uma das principais causas de “acidentes”. O uso mais frequente de radares mais potentes, um instrumento de panóptica (a capacidade de vigilância sem que o vigiado perceba que está sendo vigiado idealizada por Jeremy Bentham e analisada por Foucault), associada uma pena pecuniária mais rigorosa certamente faria a quase totalidade dos motoristas serem mais respeitosos com os limites impostos, assim como acontece nos EUA, por exemplo.
Infelizmente, parece ser mesmo necessário vigiar e punir. Parece que só uma sociedade disciplinar, possivelmente um mal necessário destes nossos tempos modernos, poderá nos fazer alcançar um nível de sociedade disciplinada e respeitosa, como os japoneses estão perseguindo em sua “guerra no trânsito”.
Se estivesse vivo, Foucault completaria 88 anos, pena que ele já não está entre nós para nos ensinar mais sobre análise social.
À primeira vista, sempre que se fala em aumento de valores de multas, vem à mente a voracidade arrecadatória dos governos. Complementarmente, se pensa sobre a destinação (ou má destinação) destes recursos, o que não é sabido pela maioria da população.
Segundo o artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), os valores arrecadados com multas de trânsito deveriam ser aplicados, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. Além disso, do total obtido, 5% é depositado, mensalmente, no Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), órgão do governo federal e, recentemente, a Portaria 407 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) fixou, em seu artigo 10, que, 1% do valor das multas tem que ser destinado ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), que também é federal. Na prática, o que se vê é que ocorre um desvio de parte significativa destes recursos para fins diversos dos preconizados, como pagamento de pessoal e reformas prediais, entre outros tantos.
A aplicação de uma multa (AIT – Auto de Infração de Trânsito) deveria servir para orientar, regular e mediar os comportamentos dos cidadãos e o valor arrecadado com as multas deveria ser investido para diminuir a ocorrência destas infrações, como exibido na matéria intitulada “Japão declara guerra no trânsito”, que foi ao ar também pelo Jornal Nacional nesta mesma noite, na qual se demonstrou que o número de mortes decorrentes de sinistros de trânsito naquele país vem declinando nos últimos 13 anos, mesmo com o aumento da frota circulante, tendo como um dos principais fatores a instituição de processos formadores de condutores e pedestres mais conscientes com suas responsabilidades para consigo mesmos e para com seus concidadãos.
Caso tivéssemos a espetacular oportunidade de convidar Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês autor do livro “Vigiar e Punir: História da violência nas prisões”, o qual versa sobre o poder estatal de punir, para uma conversa sobre o tema atualização dos valores das multas de trânsito provavelmente ele afirmaria que “as luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas”, pois, se de um lado temos o direito de propriedade sobre um veículo e de ir e vir com este, de outro lado temos que nos submeter às formas de controle exercidas pelas instituições sociais, nossos códigos jurídicos, princípios morais e éticos e costumes sociais vigentes (padrões ditos “normais” de conduta).
Entendemos que os valores atualmente vigentes para as multas de trânsito devem ser urgentemente majorados, atingindo níveis paralelos com os utilizados noutros países, como na Inglaterra, exemplo utilizado na matéria da TV Globo, e, para fundamentar esse entendimento, vamos tentar passar uma visão da importância da imposição de penas apropriadas, neste caso mais específico do trânsito, fazendo uso da ótica de Foucault, assim como também poderíamos nos subsidiar em Kant, Hegel, Beccaria, Feuerbach, entre muitos outros pensadores que se debruçaram sobre o tema “teoria das penas”.
O CTB, para Foucault, seria um mecanismo de controle, dentre outros, baseado na ameaça de punição que objetiva moldar a conduta e disciplinar o comportamento do homem, considerando-o um objeto das instituições, parte de um esquema denominado “tecnologia política” ou “tecnologia de poder”.
Neste contexto, os comportamentos divergentes, as infrações cometidas, estão sujeitos às imposições de penas, as quais devem seguir algumas regras identificadas nesta nossa sociedade disciplinar por Foucault como:
- Regra da quantidade mínima: O indivíduo deve ter uma percepção clara de que o grau de desvantagem no cometimento da infração é maior que o grau de vantagem que ele pode auferir se ousar transgredir. Na matéria do JN fica claro o descumprimento desta regra quando o motorista particular Ewerton Pereira, quando abordado sobre ter deixado seu carro estacionado em local proibido, declara: “Se der multa a gente paga. Vai fazer o quê? Não tem lugar pra estacionar”. O valor da multa é de R$ 85,00 então, para alguns, pode parecer ser melhor pagar do que tentar achar outro lugar para estacionar. A multa, nesse caso, perde seu caráter punitivo e passa a ser encarada como uma “contraprestação de um serviço”;
- Regra dos efeitos colaterais: A pena deve produzir um efeito de prevenção geral, pois sua aplicação sobre um indivíduo deve causar uma sensação capaz de desestimular de forma geral o cometimento pelos demais;
- Regra da certeza perfeita: Sugere que o indivíduo deve ter a certeza de que se errar, então pagará pelo seu erro, coisa que não é certa num país que ainda encontra muitos adeptos do “jeitinho”, “do levar vantagem em tudo, certo? (Lei de Gérson)”, e da impunidade;
- Regra da especificação ideal: Faz-se necessário um código suficientemente preciso na tipificação de cada infração e na aplicação de cada pena em dose apropriada, o quê não acontece com o nosso CTB, notadamente neste assunto dos valores atuais das multas.
O início da matéria do JN exalta a redução no número de acidentes fatais registrados pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) durante as festas de final de ano em decorrência de uma maior fiscalização e uma maior severidade relativa à condução de veículo após ingestão de bebida alcoólica.
Excesso de velocidade é punido com irrisórios R$ 85,13, no máximo R$ 574,62 e é uma das principais causas de “acidentes”. O uso mais frequente de radares mais potentes, um instrumento de panóptica (a capacidade de vigilância sem que o vigiado perceba que está sendo vigiado idealizada por Jeremy Bentham e analisada por Foucault), associada uma pena pecuniária mais rigorosa certamente faria a quase totalidade dos motoristas serem mais respeitosos com os limites impostos, assim como acontece nos EUA, por exemplo.
Infelizmente, parece ser mesmo necessário vigiar e punir. Parece que só uma sociedade disciplinar, possivelmente um mal necessário destes nossos tempos modernos, poderá nos fazer alcançar um nível de sociedade disciplinada e respeitosa, como os japoneses estão perseguindo em sua “guerra no trânsito”.
Se estivesse vivo, Foucault completaria 88 anos, pena que ele já não está entre nós para nos ensinar mais sobre análise social.
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