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CASO CUPERTINO: ENTRE O REMORSO E O CINISMO

Olá pessoal!
Estamos de volta por aqui! Nem sempre com a constância que queríamos, mas sempre que possível, lá estamos nós aqui lançando algumas palavras e considerações jurídicas.
Hoje vamos tratar de um tema importante na dosimetria da pena: a frieza do réu e sua incapacidade seletiva de acessar a própria consciência.
Há alguns dias tem sido bastante divulgado o comportamento de Paulo Cupertino durante o seu julgamento, vi a matéria seguinte (https://www.terra.com.br/notic...):
"Não tenho que pedir perdão", disse Paulo Cupertino em julgamento perante o Tribunal do Júri:
"Impossível eu ter cometido esse crime. Eu não tenho que pedir perdão, tá? Porque não carrego isso no meu coração. Eu não tenho pesadelo, eu não sonho, eu não tenho arrependimento. Porque não vem a imagem de eu matando o Rafael, a senhora Miriam e o senhor João".
Ficaram estarrecidos com a frieza e dissociação? Vejam alguém que matou 3 pessoas, inclusive o namorado da própria filha, mas tem a chocante incapacidade de sentir o mal que fez e demonstrar arrependimento.
O réu ainda é afrontoso: “enquanto era ouvido no plenário do Fórum da Barra Funda, em São Paulo, ele negou o crime -- apesar das provas em contrário --, afrontou os promotores e afirmou que o crime teria sido cometido por outro homem” (mesma matéria acima).
Mas ele consegue se superar. Não basta o crime - que por si só já apresenta muita vilania e crueldade.
Ele ainda diz não se arrepender e que não deve perdão aos familiares da vítima.
Agora vamos analisar.
Classificação de perfis criminais.
Para fins de análise, vamos classificar os criminosos em dois tipos básicos: (a) o que se arrepende (portanto, não é frio, desumano); (b) daquele que não se arrepende porque, de fato, nada sente (frio, psicopata) ou porque não se permite acessar a consciência do que fez (consciência seletiva).
Desse modo, há esses dois tipos de seres humanos. Os capazes de internalizar o mal que fizeram, arrependerem-se verdadeiramente e, por isso, o pedido sincero de perdão se manifesta como corolário lógico.
E há também aqueles como Cupertino, do vídeo na matéria citada, que se colocam acima do arrependimento e, de forma orgulhosa, não pedem perdão e se acham fortes por isso.
A ressignificação como manipulação da própria consciência.
O reconhecimento do erro é tão fundamental porque, enquanto não houver arrependimento verdadeiro, o criminoso não desativa o mecanismo que causou o crime. Ao contrário, esse mecanismo é reforçado pela ressignificação da culpa.
É isso que você está pensando. O criminoso não encara exatamente o que fez. Ele dissocia e ressignifica com qualquer justificativa evasiva, qualquer fuga que supra ou “apague” o malfeito.
Como a causa do desvio não foi tratada, ela tende a se repetir tantas vezes quanto a sua conveniência precisar.
Então, a tendência natural é a reincidência, já que o delinquente continua com alto nível de dissociação emocional e moral. Ou seja, interpreta para si que talvez não tenha errado tanto assim, e começa a minar a própria culpa para sobreviver.
E por que esse tipo de criminoso não pedem perdão?
Justamente porque pedir perdão sincero requer um nível de coragem que eles não têm. É preciso coragem para acessar de forma crua e sem rodeios o malfeito. E eles não podem acessar o que fizeram diretamente pelo dano causado ao outro, sob pena de atingirem a si próprios.
O enfrentamento do abismo moral de si próprio requer coragem de ver a si mesmo desnudado como exemplo de ser humano ruim, e isso ninguém quer - ou consegue.
Por isso, criminosos com alta capacidade dissociativa conseguem manipular a própria consciência por meio de ressignificações fajutas do próprio fato desabonador. Assim, aprendem a conviver com a ferida sangrando.
O tempo passa e a ferida não cicatriza. Ela apodrece. Por isso o que o criminoso carrega o peso – isso quando há consciência. Há o peso real da própria consciência, que pode até ser abafada, mas nunca completamente esquecida.
Não por acaso, Fiódor Dostoiévski, gênio da literatura russa, autor da clássica obra “Crime e Castigo”, já nos informava da importância do arrependimento verdadeiro como elemento necessário daquele que tem consciência do seu erro:
“Aquele que tem sentimentos sofre reconhecendo o seu erro. É seu castigo, independentemente da prisão”
No âmbito do Direito Penal, Volney Corrêa Leite de Moraes Jr. já alertava em sua obra “Crime e Castigo, reflexões politicamente incorretas” que o arrependimento é pressuposto da mudança, sem ele, o criminoso mantém seu padrão de comportamento.
Agora um exemplo prático da minha vivência. Na minha atividade como delegado, certa vez, ouvi a esposa de um criminoso violento.
Ela contou que seu companheiro era matador profissional. Certo dia, ele saiu para matar um pai de família na frente da mulher e filhos. Matou. Mas ao chegar em casa, ele não conseguiu mais dormir. Passou noites em claro, remoendo. Ela dizia que ele ficava ouvindo o grito das crianças ao verem o pai assassinado, e isso o impedia de dormir. O corpo em alerta insone denunciava internamente a crueldade do que havia feito. O corpo sente. O corpo fala. O corpo grita.
Chocante, não é?!
Mas esse criminoso parou de matar? NÃO!
Isso é o mais curioso do ser humano em estado de dissociação moral: ele aprende a conviver com a podridão na própria alma.
Sim, infelizmente, existe muita gente assim. São utilizados diversos mecanismos de fuga para lidar com a própria sombra.
Ressignificações, superações e fugas psicológicas
O ser humano mata, rouba, estupra, mas coloca o mal de si em uma caixinha guardada a sete chaves na consciência.
Dissocia moralmente, “supera” a crueldade com doses de substituições, fugas psicológicas de qualquer espécie. As fugas anestésicas são das mais variadas espécies para preencher o indivíduo e ajuda-lo a suportar o que fez: alcoolismo, dinheiro, poder, prazer sexual, riqueza, viagens de fuga, etc.
Qualquer coisa serve para anestesiar a consciência que grita e não quer acessar os fatos como eles são. É preciso sufocar a consciência para sobreviver diante do espelho. É preciso diminuir a gravidade do que foi para conseguir viver o que virá.
É preciso enterrar a consciência viva antes que ela o enterre.
Dissonância cognitiva e calcificação ou repressão da sombra (Carl Jung).
Tema interessante é o da dissonância cognitiva e a calcificação da sombra.
Dissonância cognitiva é o nome dado quando o que uma pessoa acredita sobre si entra em choque com o que de fato ela fez. Uma coisa é o que você acha de você, outra coisa é o que de fato você fez.
Todo criminoso tem mil justificativas internas para sobreviver ao colapso moral sem precisar pedir perdão. Nenhuma serve para a realidade, apenas para a mente dele que precisa acreditar: a culpa é da vítima, ela fez isso ou aquilo; agi por impulso; errei mas não sou tão mal assim. E por aí vai.
Esse tipo de ação para proteger o ego gera um efeito psicológico chamado “repressão da sombra”.
Esse conceito, inspirado em Carl Jung, diz o seguinte:
A repressão da sombra é um processo pelo qual um indivíduo tenta negar ou esconder aspectos indesejados ou inaceitáveis de sua personalidade, normalmente associados a impulsos, desejos, medos ou traumas que são considerados negativos pela própria consciência.
Quando negamos um erro profundamente significativo e não o confrontamos com verdade, essa sombra se cristaliza. Ela se torna uma parte dura, tóxica e silenciosa dentro de nós.
O que nos liberta não é ser perdoado. É pedir perdão com verdade.
Ignorar o mal que se fez com fugas diversas (contorcionismo mental para conviver com sua própria conduta) não apaga a dor — apenas a desloca para o cinismo.
O criminoso frio (psicopata ou similar) age com a sua própria culpa como quem apaga um nome no vidro embaçado. Para esse tipo, é muito fácil, porque ele nada sente, apenas emula sentimentos.
Mas nem todo criminoso é psicopata. Muitos, de fato, sentem o que fizeram e essa lembrança dolorosa se impõe sobre o orgulho ou cinismo.
Outros, ainda, mostram dissociação emocional e capacidade de “superação” daquilo que não deveria ser normalmente superável por um ser humano normal.
A frieza de personalidade na dosimetria da pena.
Na dosimetria da pena, conforme sistema trifásico previsto no art. 68 do Código Penal, inspirado na doutrina de Nelson Hungria, devemos considerar a personalidade na primeira fase de aplicação da pena.
O art. 59 do Código Penal arrola as chamadas circunstâncias judiciais. Dentre elas, temos a “personalidade” do réu como circunstância a se verificar e ponderar para adequada dosagem penal.
Ora, se o indivíduo não demonstra arrependimento sincero, não busca qualquer ação efetiva para reparar o mal que fez, e ainda não pede perdão porque “acredita que não deve explicação alguma”, pensa que “não tem nada do que se arrepender porque não fez mal algum” (mesmo quando objetivamente as provas dizem o contrário), isso revela o próprio caráter do criminoso. Não é força, é fraqueza.
Revela-se aí um nível de dissociação entre a conduta objetivamente verificada e a própria percepção do erro, resultando na compreensão do criminoso como alguém frio e calculista, que não consegue se arrepender e pedir perdão.
Nesse caso, naturalmente, o juiz deverá elevar a pena base fixada, como resposta aquela ausência de humanidade e o descalabro da ausência de respeito à vítima.
Após decisão do plenário com a dosimetria realizada pelo juiz singular, Cupertino foi condenado a 98 anos de prisão em regime fechado, o que pela nossa sistemática atual, não significa que passará todo esse tempo na cadeia, mas ao menos a condenação veio.
Por fim, o que o caso Cupertino nos revela é que cada vez mais se faz necessário um direito penal efetivo, porquanto se ao criminoso não lhe resta sentimento ou dor alguma pela crueldade imposta ao próximo, que pelo menos sinta com todo o vigor a resposta penal.
Só assim, ao menos alguma satisfação à vítima é dada pelo sistema de justiça.

DELEGADO CLEDSON
Delegado de Polícia Federal, Professor de Direito Penal e Processo Penal, palestrante, escritor nas horas vagas, aprovado em diversos concursos, arapiraquense morando no Pará e utilizando o Direito para realizar justiça.
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