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A psicologia e a psiquiatria em O Método de Stutz

Por Luciano Felizardo 28/11/2022 20h08
Por Luciano Felizardo 28/11/2022 20h08
A psicologia e a psiquiatria em O Método de Stutz
Jonah Hill em seu novo documentário, O Método de Stutz - Foto: Imagem do Pinterest

Eu ainda não escrevi sobre documentários aqui, né?

É um dos meus gêneros preferidos do cinema. Desde criança. Eu era a criança que assistia àquelas porcarias do History Channel - que pra quem não sabe, deve ser o equivalente ao Brasil Paralelo de hoje em dia - e ficava acreditando em alienígena e essas doideras - que deve ser o equivalente ao atual "tem um microchip na vacina".

Mas o ponto não é esse, é que eu sempre gostei mesmo do gênero, e sempre fico empolgado quando vejo um documentário sobre algo que acho interessante ou feito por/sobre alguém que me interesse.

Sabendo disso, imagine como eu fiquei quando vi que tinha saído um documentário do Jonah Hill na Netflix.

Sendo bem sincero, eu acho o Jonah um dos caras mais talentosos de Hollywood na atualidade. No começo de sua carreira eu mal dava bola, porque suas principais aparições eram em filmes de comédia e eu dificilmente gosto das comédias Hollywoodianas - com exceção das sitcoms e das vezes que acompanho meu pai às estreias da Marvel.

Percebi que tinha alguma coisa a mais nele quando o vi no filme "O Homem que Mudou o Jogo". O roteiro é do Aaron Sorkin [que geralmente, ou as pessoas amam ou odeiam - entre essas duas opções, acho que acabo amando] e você pode dizer que os roteiros dele tiram o espaço dos atores, já que só o que brilha são as falas, como se fossem todas saídas da mão do mesmo romancista, como se todos os personagens falassem igual ao criador da história. 

Parcialmente eu vou ter que concordar. Mesmo assim, eu vi algo diferente ali. Percebi que alguma coisa tinha mudado, nem que fosse sua gestão de carreira.

Seu filme "90s" é uma obra belíssima, e os episódios que ele dirige em "Lakers: hora de vencer" são maravilhosos, e neles ele demonstra o domínio que tem da linguagem, usando estilos diferentes e fazendo tudo isso soar interessante e coerente.

Quando vi seu documentário no catálogo, me organizei pra ter tempo de assistir o mais rápido possível, mas acho que aqui minha experiência foi um pouco menos positiva que nas outras obras.

Não que seja mal-feito. Como peça estética, como forma, o filme não deixa a desejar. Acho que o ritmo é meio devagar, mas é fácil se adaptar, e no momento que eu senti que a história estava começando a perder minha atenção, veio uma virada metalinguística que me deixou de olho arregalado.

O que aconteceu, porém, é que o conteúdo me deixou meio inquieto.

O filme é sobre o psiquiatra do Jonah, Phill Stutz, e suas técnicas, teorias e métodos.
Acabei não conseguindo assistir como fã, e assisti como estudando de psicologia. É desse ponto de vista que achei o doc bem mais ou menos.

Pra começar, o psiquiatra parece se propôr a transitar entre seu papel e uma papel de psicólogo, o que por si só não seria um problema se tivesse formação para tal, mas pelo que aparente, ele não estabelece seus limites de atuação e se perde nisso.

Ainda nesse quesito, ele tenta "ir além" da psicologia, fazendo críticas bem rasas ao não-aconselhamento ou não-direcionamento, e peço licença pra explicar aqui onde é que essa crítica falha.

O aconselhamento existe na psicologia, mas ele não é o foco do processo terapêutico. O que o Stutz parece querer é dar respostas prontas para seus pacientes, e eu não preciso argumentar demais pra dizer como isso é presunçoso. Você sabe que nem toda resposta funciona pra toda pessoa, muito menos pra toda pessoa em toda situação. O aconselhamento pode existir, o que não pode é o psicólogo impor sua visão de mundo ao paciente, porque isso seria desastroso. Em vez disso, ele leva o paciente a encontrar suas respostas. Ele não dá as "respostas certas", ele faz as perguntas certas e lhe dá suporte para encontrar as respostas mais adequadas à sua realidade.

Certa vez, minha então psicóloga - Luana de Freitas, indico demais - me perguntou se eu sabia qual seria o papel dela na terapia, e vendo que eu não sabia, ela me contou a seguinte anedota:

"Imagine que você está num quarto todo bagunçado, com a luz apagada, e que você precisa arrumar esse quarto. O que o psicológo vai fazer por você? Ele vai acender acender a luz."

Outra coisa que parece não ter sido bem compreendida nem pelo médico nem pelo paciente, é o porquê o cuidado do terapeuta exige certa "impessoalidade". 

Isso não quer dizer de forma alguma que o psicólogo tenha que ver a outra pessoa como um mero objeto nem nada do tipo, mas que naquele espaço não é cabível que o terapeuta se abra, fale de si, desabafe nem nada do tipo, porque se a barreira da impessoalidade é ultrapassada e ali nasce uma amizade, a terapia perde muito de sua potência. O terapeuta é alguém que vai construir um vínculo com o paciente, e esse vínculo é importante, mas é necessário que ele seja a pessoa pra quem o paciente pode ser livre pra contar tudo sobre tudo, e normalmente não se conta tudo sobre tudo pra nenhum amigo, seja por vergonha ou por medo da reação dele.

Inclusive, não delimitar isso aparece como problema durante o próprio processo de filmagem do doc. Chega a atrapalhar as consultas do Jonah Hill por uns 2 anos, e eu me perguntei o quão ético foi da parte do psiquiatra ter aceitado aquilo.

E nem tudo é ponto negativo. O jeito que Stutz fala sobre começar os cuidados pelo corpo quando não se sabe o que fazer nem pra onde ir, partir daí pro social e tal, me soaram interessantes. No que se refere ao corpo, acho até que caberiam conselhos universais ou algo que os beire, por exemplo, "tente praticar exercícios físicos" ou "se puder, melhore sua alimentação"

Mas acontece também que ele reutiliza conceitos de abordagens psicoterápicas como se fossem criações suas, e até quando discorre sobre o que criou, me parece bem confuso.

Nunca li as teorias dele, não sei se são cientificamente validadas - imagino que não -, mas a maioria me parece uma amálgama fraca entre vários conceitos consagrados - tipo o da "Sombra", que explanei no artigo sobre a She-Hulk - e coisas que se entende fácil sem dar nomes complicados, como a insegurança - que ele complexifica, mistura com recalcamento, regressão e negação (mecanismos de defesa psicanalíticos) e chama de " parte x".

Fora essas "criações" próprias, Stutz usa também teorias e técnicas de algumas abordagens bem populares, como o ajustamento criativo e a "cadeira vazia" da Gestalt-Terapia, e parece ter forte influência logoterápirca. Porém, ele parece descartar as formas já comprovadamente eficazes de fazer uso dessas ideias, voltando para aquela coisa rasa de dar a mesma resposta para todos, como apontei acima.

[Eu sei que esse último parágrafo foi bem mais técnico, e pode ter gerado alguma confusão ou sensação de "agora me perdi". Se for o caso, posso fazer textos específicos sobre esses termos aí. Eu adoraria, na verdade.]

No fim, o saldo pra mim foi mais negativo que positivo. Eu indicaria pra um cinéfilo pela empreitada cinematográfica do Hill, pra que se observe a evolução do diretor e a parte estética da obra, que eu achei linda. Pra um espectador comum, porém, eu não indico. No meu ver, mais atrapalha do que ajuda, já que pode confundir alguém mais desavisado sobre o que é de fato uma psicoterapia, coisa que entre nós, no geral, já não é bem compreendida.

Luciano Felizardo

Luciano é escritor e sua cabeça gira em torno disso. Nesse espaço, vai falar sobre obras de arte (filmes, livros, músicas, etc) e as reflexões que teve a partir delas. Além de, vez e outra, tentar simplificar e trazer para o nosso cotidiano alguns conceitos de filosofia, política e psicologia - área na qual vem se graduando pela Ufal.
Suas obras podem ser adquiridas no site da Editora Ipê Amarelo ou entrando em contato com ele através do Instagram (@vezeoutrapoesia).

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