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Compreendendo o comportamento Autolesivo
“Eu me sinto menos ansioso após me cortar. A dor física faz com que eu esqueça dos meus problemas”
Muitos que lêem ou ouvem de alguém uma frase como a acima citada discordarão veementemente de tais palavras, pois para estas pessoas a relação entre dor e alívio não fará sentido. Contudo para uma pessoa que apresenta comportamentos autolesivos, a frase acima será coerente, pois a função daqueles cortes poderá ser a de: desviar a atenção dos seus problemas, chamar a atenção dos pais ou o simples prazer de sentir a dor dos cortes.
Então, o que seria um comportamento autolesivo? Segundo Ceppi e Benvenuti(2011), os comportamentos autolesivos, ou SIB (do inglês, self-injuriousbehaviors), podem se definidos como uma serie de ações que produzem dano físico ao próprio individuo. Podendo se apresentar de forma crônica e causar riscos graves a quem se engaja neles. Em alguns casos manifestando-se em padrões rítmicos ou repetitivos que variam em intensidade, grau de lesão e rompimento com o ambiente social. Os mesmos afirmam que comumente este comportamento é mantido por produzir consequências que são responsáveis pela sua aquisição e manutenção.
Você agora pode estar se perguntando: em que ponto algo assim faria sentido? Primeiramente, devemos estar atentos para o fato de que todo comportamento tem uma função e, sendo assim, o comportamento autolesivo também terá sua função, pois estes eles não ocorrem a esmo. Estes comportamentos refletem tanto sobre o sujeito que o apresenta, quanto no ambiente onde o mesmo está inserido sendo mantido por suas conseqüências. Por exemplo, uma garota que realiza pequenos cortes em seus braços e pernas, obtém com este comportamento, a atenção dos pais ausentes, que em outro momento não dedicavam o seu tempo à filha, mas que agora, buscam estarem presentes, tentando agradá-la com presentes, mimos e presença constante.
Em um momento anterior, esta garota não tinha a atenção dos pais, mas a partir do momento que iniciou o comportamento autolesivo, eles tornaram-se presentes. Entretanto no momento em que ela diminuiu a frequência dos cortes os pais diminuíram a atenção mais uma vez e então ela volta a se autolesionar ganhando atenção novamente. O comportamento da mesma foi reforçado, ou seja, ela obtinha a atenção em alta frequência e intensidade quando apresentava o comportamento autolesivo, quando diminuía a frequência de cortes, também perdia gradativamente a atenção. Simplificando: se me corto, tenho a atenção dos meus pais se não me corto não tenho. Pergunto então a vocês leitores: Qual a probabilidade desta garota voltar a provocar cortes? E assim eu lhes respondo, é alta.
O exemplo acima citado é de apenas uma das inúmeras funções que este comportamento poderá apresentar, variando de indivíduo a indivíduo. Em alguns casos, a consequência do comportamento poderia ser se esquivar/fugir de uma situação aversiva, por exemplo, quando um adolescente que sofre bullying na escola e começa apresentar o comportamento autolesivo, de se cortar, obtém como consequência não ir à escola, pois todas as vezes que se corta seus pais o permitem ficar em casa, este consegue se livrar da situação aversiva, em questão. Existem também alguns casos que o ato de se cortar poderia ser prazeroso por si só.
Em pesquisas realizadas por Brian Iwata e seus colaboradores entre (1982/1994), no Instituto Kennedy, buscou-se através de análises funcionais, identificar as possíveis causas da autolesão (AHEARN, 2010). Para um breve esclarecimento, a análise funcional, seria a identificação da função dos comportamentos relevantes, relacionando situações antecedentes às consequências que estes produziram no sujeito (NENO,2003), e através destas análises funcionais, os mesmos apontaram que as causas e funções dadas pelos sujeitos da pesquisa eram as mais variadas, como por exemplo: fuga de estímulos aversivos, sensação prazerosa em se automutilar e atenção obtida em realizar tal ato. Confirmando, de forma sistemática, que a causa era específica em 95% das vezes (AHEARN, 2010).
Em uma pesquisa realizada pelo psicólogo Janis Whitlock entre jovens e adolescentes, constatou-se que 17% dos jovens que participaram da pesquisa, já havia se autolesionado.Esta mesma pesquisa apontou que, algumas das causas para apresentação do comportamento seriam: a baixa autoestima, negligência na infância, isolamento social e condições instáveis de vida. Em aproximadamente 25% dos que se autolesionavam havia um histórico de transtorno alimentar, assim como abuso de álcool. Frequentemente no contexto familiar, enquanto crianças, estes, não desenvolveram habilidades para lidar com sentimentos como raiva e tristeza. (The New York Times, trad. Paulo Abreu).
A pesquisa traz dados importantes no que se refere à alta porcentagem entre adolescentes e jovens adultos, apresentando o comportamento autolesivo, muitos desses jovens tem acesso a informações de como se autolesionar, através da internet, sites, blogs, fanpages, direcionadas a quem deseja compartilhar experiências relacionadas a autolesão. Por exemplo: as melhores formas de se autolesionar, histórias de vidas semelhantes, incentivo e apoio dentro desses grupos, o que acaba tornando reforçador para estes jovens, além de existirem alguns artistas que declararam publicamente que em algum momento de suas vidas já se autolesionaram, como Demi Lovato, Jhonny Depp e Angelina Joulie, contribuindo também de alguma forma para o aumento destes números, devido a forte influência que exercem sobre a mídia.
Entre os adolescentes por ser uma fase de mudanças: físicas, de interesses, de grupos sociais, a insegurança está presente. Ser aceito no grupo é um dos pontos mais valorizados entre estes e mesmo que em algumas vezes estes jovens não achem tão interessante, como algum dia foi se autolesionar, estes podem não parar de apresentar o comportamento, pois o grupo onde ele está inserido exerce grande influência e pressão, e os mesmos desejam serem aceitos. E se estes jovens não possuírem habilidades para lidar com situações aversivas, tais como: pressão e cobrança, sempre cedendo de forma passiva, estes permaneceram inertes diante da situação.
Alguns alertas para quem deseja identificar possíveis sinais de comportamentos de autolesão: pessoas retraídas que se isolam por longos períodos no quarto usam roupas quentes mesmo no verão como, por exemplo,blusões, casacos, camisas de mangas cumpridas, acessórios largos como pulseiras, cachecol, se usam sempre calça ou roupas longas as quais não deixam o corpo amostra, se apresentam arranhões, feridas que não cicatrizam, manchas e cicatrizes decorrentes de corte, ou outro ferimento. Vale salientar, que perceber mudanças de comportamento é fator essencial para buscar auxílio e tratamento para o mesmo. Deem a devida importância para os pequenos sinais.
O tratamento se dá através das necessidades trazidas pelo sujeito, para tanto se faz uma análise funcional para identificar as possíveis “causas” do comportamento e direcionar a melhor forma de intervenção com o sujeito. A partir de então buscar o melhor tratamento. Neste caso sugiro que procurem ajuda especializada, de um psicólogo e em alguns casos de um psiquiatra, pois em algumas situações o comportamento poderá estar relacionado com patologias, tais como: a depressão e os transtornos ansiosos e necessitarão do devido acompanhamento. Em casos específicos, se for necessário, será introduzido o tratamento medicamentoso, mas este não estará dissociado do terapêutico. A participação da família será fundamental em todo o processo, desde a identificação, até as mudanças que seguirão com o tratamento, é importante estar disposto a ajudar sem reforçar o comportamento autolesivo como no exemplo citado, tampouco negligenciar o caso, como sendo um “rompante da juventude”. Em alguns casos, o sujeito necessita desenvolver habilidades para lidar com situações problemáticas e para tanto isto requer uma mudança no repertorio comportamental que envolverá a família e o ambiente no qual ele se encontra inserido.
Este texto foi uma breve discussão acerca de como identificar e compreender como se dá o processo do comportamento autolesivo, de forma breve. A temática abre espaço para muitas discussões e questionamentosos quais o texto não consegue contemplar, a intenção do mesmo foi esclarecer acerca do tema. Entretanto, estamos abertos a possíveis novas discussões. Encerro, deixando o meu agradecimento pela sua leitura e esperando o nosso próximo encontro aqui no Além da Caixa.
Por: Cinthia Rafaelle Ferreira Lima
Psicóloga Clínica Comportamental
CRP15/3287
Referências
CEPPI, Bruno; BENVENUTI, Marcelo. Análise funcional do comportamento autolesivo.Rev. psiquiatr. clín., São Paulo , v. 38, n. 6, p. 247-253, 2011 Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php>. Acessadoem 18 May 2016.
AHEARN, Bill. Self-Harm or Request For Help? Behavior analysts consider problem behavior to be communicative. Publicado em 27 de Janeiro de 2010, porBill Ahearn, Ph.D., BCBA-D in a Radical Behaviorist. Trad. SOUZA, Felipe em Psicologia da Automutilação ou Cutting – Causas e Tratamento.
NENO, Simone. Análise funcional: definição e aplicação na terapia analítico-comportamental. Rev. bras. ter. comport. cogn., São Paulo , v. 5, n. 2, p. 151-165, dez. 2003 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?>. acessado em 05 maio 2016.
Originalmente publicado no jornal The New York Times. Acessado em http://www.iaccsul.com.br/index.php/content-layouts/45-blog/72-o-aumento-da-onda-de-auto-mutilacao-em-adolescentes trad. ABREU, Paulo.
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O Além da Caixa é um espaço para a discussão dos mais diversificados temas sob a ótica da psicologia do comportamento. De maneira direta e com uma linguagem clara falaremos ao público em geral, mas sem destoar dos princípios da Psicologia Científica.
Seus responsáveis são os psicólogos comportamentais Cinthia Ferreira CRP 15/3287, Jacinto Neto CRP 15/3274, Jackelline Lima CRP 15/3275 e Renata Lopes CRP 15/3296, graduados em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas e pós graduação em Análise do Comportamento.
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