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Mais que um #projetoverão
Parece bem simples: basta seguir um roteiro e tudo estará resolvido. Porém, é na contramão desse pensamento que as recentes pesquisas sobre a qualidade de vida do brasileiro, conforme divulgou o Ministério da Saúde (2015), demonstram que o excesso de peso é uma realidade que atinge um maior número de brasileiros a cada ano.
Daí cabe a pergunta: se tem tanta gente querendo emagrecer, porque o excesso de peso se faz ainda tão presente? A resposta talvez esteja na própria pergunta. Sabe-se que existem muitas pessoas com desejo de emagrecer, mas de fato estas pessoas estão fazendo por onde ou a iniciativa dura apenas o tempo necessário para tirar a foto e fazer a postagem?
Para abordar questões referentes às temáticas de peso, corpo saudável, transtornos alimentares, obesidade e etc., seriam necessárias muito mais linhas do que esse texto é capaz de suportar. Então damos início, com esse post, a uma série chamada “Mais que um #projetoverão”, que você poderá acompanhar aqui no Além da Caixa.
Para esclarecer questões quanto aos "obstáculos" ou "empecilhos" da caminhada em busca do corpo saudável, é necessário antes de tudo fazer alguns esclarecimentos sobre a relação do homem com a comida, e para tal vou partir dos três níveis de seleção natural: filogênese, que diz respeito a história da espécie; ontogênese, que se refere ao desenvolvimento do indivíduo; e cultura, englobando os aspectos culturais os quais o indivíduo está inserido. Cabe ressaltar que aqui serão realizadas apenas pequenas explanações e ao final do texto você encontrará referências bibliográficas para um maior aprofundamento.
Em se tratando de filogênese, o alimento desempenha um importante papel no desenvolvimento da história de nossa espécie. Como pontua Elias e Vale (2011), a comida é algo vital para a espécie humana pois é fonte de energia. Contudo, na história da espécie, o alimento era escasso e por isso, o organismo criou defesas contra a subnutrição ao passo em que pouco se desenvolveu para combater a supernutrição. Além disso, esse elo da espécie com a comida também está relacionado a sensação de prazer que se tem ao ingerir alguns alimentos. Carboidratos, açúcares e gordura são facilmente transformados em energia e, por isso, foram bastante úteis para a sobrevivência humana, selecionando aqueles que tinham maior sensibilidade a esses alimentos.
Entendido o processo filogenético, vamos a história das aprendizagens individuais do sujeito: a ontogênese. Nesse aspecto, conforme Elias e Vale (2011), a relação entre os humanos e a comida tem início ainda na infância, de modo que ao ingerir determinados alimentos a criança pode receber reforçadores como, por exemplo, a atenção social (que torna a comida um reforçador ainda maior), tornando o que já é reforçador (comida) ainda mais reforçador. Da mesma forma que esta mesma pessoa pode passar a receber críticas pelo seu corpo e passar a ver a comida como um estímulo aversivo (o que gerariam possíveis transtornos alimentares como a bulimia e anorexia). Em outros casos a comida pode vir até a se tornar um substituto do que falta na vida daquele adolescente ou adulto. Esses exemplos aqui supracitados são poucos diante das diversas formas as quais pode se constituir a relação do indivíduo com a comida. São repertórios comportamentais diversos que se constituem a partir de diferentes histórias, e que terão suas particularidades na sua relação com a comida.
Para finalizar os níveis de seleção temos a cultura. Especialmente no Ocidente, vivemos uma cultura que impõe determinados padrões de beleza que são estampados diariamente em revistas, TV, redes sociais e etc porém que são praticamente inalcançáveis pois os próprios estão repletos de estratégias de manipulação. Mas apesar disto têm forte influência nas relações sociais, uma vez que aqueles que mais se assemelham aos padrões tem mais chances de obter sucesso profissional e pessoal a partir de uma lógica que exclui. Ou seja, uma prática capitalista que traz a "boa" estética como primordial para ter sucesso na vida. Em se tratando de cultura e suas práticas sociais e alimentares, também não podemos deixar de mencionar o mercado de fast food, que oferece comida rápida para aqueles que “não tem tempo”, evidenciando a dualidade cultural que oferece comidas que não são saudáveis como alternativa ao mesmo tempo em que cobra do mesmo indivíduo uma alimentação balanceada seguida de um corpo perfeito.
A partir do conhecimento dos níveis de seleção dá pra ter uma visão mais clara de porque tendemos a nos comportar de tal maneira e não de outra. Ou seja, a maior parte dos comportamentos que emitimos tem um antecedente que os precedem e consequências que os mantém, não simplesmente causas internas do tipo "eu não consigo emagrecer porque tenho compulsão por comida” ou que “sou muito ansioso (a) desde pequeno (a)".
Quando um indivíduo passa a ter um objetivo na vida é preciso concomitantemente ter um planejamento, caso contrário, se perderá nos primeiros obstáculos. Perder ou ganhar peso não é tarefa fácil pois implica em renunciar a diversos prazeres (comer) e acrescentar estímulos aversivos (esforço proveniente da atividade física). Mas esta se torna bem menos árdua quando é vivido um dia de cada vez, exaltando as conquistas do dia e não sonhando com o resultado de alguns meses. É preciso visualizar o processo a ser percorrido e não apenas o final dele.
Outra dica importante é modificar o ambiente em que se vive. Se você não pode comer determinados alimentos, não os tenha em casa, como também não saia de casa em busca destes. Se você precisa alimentar-se mesmo estando sem fome, é importante ter a comida adequada em casa para não haver desculpas. Mas lembre-se que as interações sociais não podem ser afetadas por seu novo estilo de vida, caso contrário a mesma se tornará bastante aversiva.
Conhecer esse processo é de fundamental importância para não apenas iniciar mudanças, mas para permanecer nelas. O mau do #projetoverão, citado lá no início do texto, é que ele é apenas um projeto de verão, e não um processo de reeducação e de adoção de novos hábitos para uma vida. Se você precisa por alguma razão perder peso e não tem conseguido, busque ajuda de bons profissionais especializados como nutricionistas, educadores físicos e psicólogos comportamentais, que lhe ajudarão a ampliar seu repertório comportamental, e assim você poderá ter bem mais do que um simples projeto de verão.
Como dito anteriormente, esse é apenas o início do nosso bate papo sobre alimentação mas, a princípio, espero ter contribuído no entendimento dos processos psicológicos que estão presentes na relação do ser humano com a comida, e, claro, espero ter contribuído para que você resista aquele bolo de chocolate que está na sua cozinha (caso seja seu desejo).
Até breve,
Renata Lopes
CRP 15/3296
Psicóloga Clínica Comportamental
Referências Bibliográficas
REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA, São Paulo, v. 13. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452011000100005&lng=es&nrm=iso&tlng=es>. Acesso em 01 jun. 2015.
Ministério da Saúde. Obesidade estabiliza no Brasil, mas excesso de peso aumenta. Disponível em: <http://www.blog.saude.gov.br/35418-obesidade-estabiliza-no-brasil-mas-excesso-de-peso-aumenta>. Acesso em 01 jun, 2015.
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