Correios vivem corrida contra o tempo para levantar R$ 10 bi e planejam demissão de 10 mil

Por Redação com O Globo 14/11/2025 08h08
Por Redação com O Globo 14/11/2025 08h08
Correios vivem corrida contra o tempo para levantar R$ 10 bi e planejam demissão de 10 mil
Para evitar questionamentos futuro, a direção dos Correios já se reuniu com o Tribunal de Contas da União (TCU) e apresentou as linhas gerais de seu plano de reestruturação - Foto: Joédson Alves/Agênc

Imersos em dificuldades financeiras, os Correios correm contra o tempo para levantar ao menos R$ 10 bilhões em 15 dias. Os recursos são necessários para equilibrar as contas e recuperar a capacidade operacional para conseguir se salvar de um cenário que pode se tornar ainda mais catastrófico. A expectativa da direção da empresa estatal é obter o valor via empréstimo, com garantia da União, até o fim do mês.

O montante corresponde à metade dos R$ 20 bilhões que a estatal almejava inicialmente, mas ela foi forçada a rever a estratégia diante do alto custo cobrado pelos bancos na primeira rodada de negociações da empresa comandada por Emmanoel Rondon.

A chegada do empréstimo também é fundamental para colocar de pé as iniciativas de saneamento das despesas dos Correios. O principal foco é a redução de gastos com pessoal. A ideia é propor um Programa de Demissão Voluntária (PDV) para alcançar 10 mil funcionários. Isso, porém, tem um custo.

No último PDV, de um público potencial de 8 mil funcionários que manifestou interesse em se desligar da empresa, apenas 3,6 mil fizeram a adesão.

A avaliação na atual direção da empresa é que, desta vez, será necessário oferecer condições para chegar à meta de 10 mil desligamentos. A ideia é convencer esses trabalhadores de que será vantajoso deixar a empresa com o PDV. A meta é reduzir a folha salarial em R$ 2 bilhões por ano.

O objetivo agora é conseguir o máximo de recursos emprestados, mas com custo financeiro de até 120% do CDI (que segue a taxa Selic), limite normalmente considerado em operações com garantia da União. A estatal enviou a proposta para um grupo de cerca de dez bancos e espera a resposta até o fim do mês.

Com a redução do valor do empréstimo, a empresa espera aumentar a oferta de crédito, incluindo, inclusive, bancos de menor porte nas conversas.

Na primeira rodada, a taxa cobrada pelos bancos BTG Pactual, Citibank, ABC Brasil e o Banco do Brasil foi considerada muito elevada para uma operação que será avalizada pelo Tesouro Nacional — ou seja, se a empresa não pagar, a União arca com o custo. O risco para as instituições financeiras, na prática, é zero. Procurados, os bancos não comentaram o assunto.

Sindicato de bancos

O custo da oferta chegou a 136% do CDI, o que acarretaria um custo de cerca de R$ 3 bilhões por ano somente de juros, segundo um interlocutor envolvido nas negociações. O Comitê de Garantias do órgão estabelece um custo máximo aceitável para que uma operação seja elegível à garantia da União, que atualmente é de 120% do CDI.

O percentual não é uma restrição em si, mas uma prática usada pelo órgão para evitar excessos nas operações de crédito com estatais e entes subnacionais. Empréstimos para estados em regime de recuperação fiscal, por exemplo, não observam esse limite, porque são naturalmente mais arriscados.

No caso dos Correios, porém, a ideia é perseguir esse parâmetro. Por isso, a estatal abriu uma nova rodada de negociações e ampliou o rol de bancos consultados. Na proposta, a empresa disse que quer captar até R$ 20 bilhões, com uma taxa máxima de 120% do CDI.

Nesse contexto, é considerado razoável obter ao menos R$ 10 bilhões no curto prazo diante do interesse manifestado pelas instituições financeiras e fazer outra rodada para conseguir o restante mais para frente.

É possível que a operação seja feita com um sindicato de bancos, o mesmo modelo de um empréstimo que a estatal contraiu anteriormente com Citibank, BTG e ABC Brasil.

Para evitar questionamentos futuros, a direção dos Correios já se reuniu com o Tribunal de Contas da União (TCU) e apresentou as linhas gerais de seu plano de reestruturação para que a corte possa acompanhar o processo desde o início.

O dinheiro do empréstimo é considerado necessário para equacionar o caixa da empresa, pagar as dívidas e compromissos em atraso, além de colocar de pé o plano de reestruturação da empresa.

A empresa registrou um prejuízo acumulado de R$ 4,3 bilhões em 2025. Apenas no segundo trimestre, entre abril e junho, o resultado negativo atingiu R$ 2,6 bilhões, quase cinco vezes o registrado em igual período do ano anterior, de R$ 553,1 milhões. Além disso, o prejuízo mensal do caixa tem ficado em torno de R$ 750 milhões.

Atraso nas entregas

Ao publicar suas demonstrações contábeis, a estatal ressaltou que enfrenta desafios econômicos e concorrenciais e cita restrições financeiras.

Equilibrar as contas é visto pela empresa como imprescindível, por exemplo, para regularizar a situação com os fornecedores, que estão sem receber, e, consequentemente, as entregas, que estão chegando com atraso maior do que o desejado. O diagnóstico interno é que a situação da estatal gera uma bola de neve, que se traduz em menos contratos e perda de receita.

Atualmente, o índice de entregas no prazo está em 92% e a empresa considera que precisa superar 95% para evitar perder clientes e conseguir novos contratos. A estatal já conseguiu uma recuperação em relação ao pior momento da operação, em que o índice chegou a 76%, no primeiro semestre, mas a avaliação agora é que uma nova melhora depende do equacionamento da situação financeira da empresa. Isso daria mais tranquilidade para negociar com os grandes clientes, como as plataformas de comércio eletrônico.

Risco de recurso retido

A tentativa de levantar recursos esbarra também em problemas de operações anteriores. A empresa pretende quitar empréstimo já contraído de R$ 1,8 bilhão com Citibank, BTG Pactual e ABC Brasil, cujo custo saltou significativamente após o descumprimento de uma cláusula contratual.

Originalmente, a taxa cobrada era CDI (que se aproxima da Selic) + 3%. Em outubro, o adicional foi de 4% e, em novembro, de 5%, até que a empresa consiga um aporte da União ou um empréstimo com aval do Tesouro. O Citibank disse que não comentaria. As outras instituições não se manifestaram.

O aumento dos juros ocorreu por conta de um descumprimento contratual em relação ao estoque de precatórios (dívidas judiciais para as quais não cabe mais recurso). Por isso, os Correios tiveram de renegociar o acordo, em piores condições.

Um aditivo de R$ 40,5 milhões foi assinado para fazer os ajustes, cujo pagamento deve ser feito em duas parcelas, em 28 de novembro e 28 de dezembro. Os bancos, porém, podem reter os valores na conta garantia do contrato a partir de amanhã, dia 15.

Outro prejuízo à empresa pelo descumprimento do contrato foi a antecipação do pagamento do valor principal do empréstimo. Antes, seria em junho de 2026.

O contrato, assinado no dia 26 de maio com os bancos BTG Pactual, ABC Brasil e Citibank, previa que se o estoque de precatórios da empresa, “em qualquer momento”, superasse R$ 900 milhões ativaria uma cláusula de “pagamento antecipado mandatório” do valor total do empréstimo, considerando também juros e correção monetária.

No fim do segundo trimestre, a conta de precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPVs) chegou a R$ 2,051 bilhões, o que fez os bancos notificaram a empresa.

O aditivo vale para o segundo e terceiro trimestres. A partir do quarto trimestre, os Correios voltam a ter restrições em relação ao estoque de precatórios, que não poderão ultrapassar R$ 2,5 bilhões “em qualquer momento”.

Entenda o fio da meada da crise da companhia

Queda contínua nas receitas, aumento de custos e perda de eficiência deterioram o caixa da estatal.
Com dificuldade de fechar as contas, a empresa foi ao mercado em busca de um empréstimo de R$ 20 bilhões.
O custo elevado da captação e a dificuldade de arcar com as garantias pedidas travaram as conversas.
A empresa agora busca uma nova solução e iniciou uma nova rodada de negociações. O objetivo agora é levantar R$ 10 bilhões em um horizonte de 15 dias para fazer frente aos pagamentos previstos.
Mas há outros problemas no radar. Em uma operação de crédito contraída anteriormente, a empresa descumpriu uma cláusula contratual e viu os juros aumentarem.
Um aditivo feito ao contrato em condições menos vantajosas aumentou as despesas em R$ 40,5 milhões, e a estatal corre risco de ter recursos retidos a partir de amanhã.